29 janeiro 2009

Para ti...

...que estás a ser teimosa contigo mesma... se o passado ainda tivesse o peso que te impede de dar o próximo passo, nunca o ponderarias dar...

Sérgio


vai caminhando desamarrado
dos nós e laços que o mundo faz
vai abraçando desenleado
de outros abraços que a vida dá

vai-te encontrando na água e no lume
na terra quente até perder
o medo, o medo levanta muros
e ergue bandeiras pra nos deter

não percas tempo, o tempo corre
só quando dói é devagar
e dá-te ao vento como um veleiro
solto no mais alto mar

liberta o grito que trazes dentro
e a coragem e o amor
mesmo que seja só um momento
mesmo que traga alguma dor

só isso faz brilhar o lume
que hás-de levar até ao fim
e esse lume já ninguém pode
nunca apagar dentro de ti

(Mafalda Veiga - O Lume)

22 janeiro 2009

A música que gosto de ouvir quando entro para o carro de manhã...

...e nem é banda que aprecie muito!

Sérgio



An old fairytale told me
The simple heart will be prized again
A toad will be our king
And ugly ogres are heroes

Then you'll shake
Your fist at the sky
"Oh why did I rely
On fashions and small fry?"

All promises broken
Feed your people or lose your throne
And forfeit your whole kingdom
I'd sooner lose it than still live in it alone

You were our golden child
But the gentle and the mild
Inherit the earth, while

Your prince's crown
Cracks and falls down
Your castle hollow and cold
You've wandered so far
From the person you are
Let go brother, let go
Cos now we all know

Soon, someone will put a spell on you
Perfume, treasure, sorcery, every trick they know
You will lie in a deep sleep
That's when

Your prince's crown
Cracks and falls down
Your castle hollow and cold
You've wandered so far
From the person you are
Let go brother, let go
Cos now we all know

(Keane - The Frog Prince, Under the Iron Sea)

14 janeiro 2009

Austrália.


É um dos países que mais curiosidade tenho em conhecer e sobre o qual roda em mim uma imagem paradisíaca, mas também cheia de magia e sobrenaturalidade. Os próprios animais tão característicos como o canguru, o koala ou o ornitorrinco, demonstram o misticismo desta região, além de tudo o que ouvimos os nativos arborígenas. Sobre estes há muitas histórias e lendas... dizem que conseguem manipular as forças da natureza, como por exemplo a chuva ou um raio no meio de uma tempestade. Sobre os seus poderes espírituais muito mais se conta... por exemplo, diz-se que conseguem absorver a força de um animal, podendo saltar como um canguru, ou serem fortes como um gorila... É concerteza este contexto tão indefinido quanto misterioso, que levou (talvez pelo medo) a que os neozelandeses lançassem o preconceito sobre estes nativos... Um tanto ao estilo do que a igreja fez na Europa há séculos atrás em relação a outros inimigos que não conseguia vencer.

Austrália é também o nome da recente produção cinematográfica norte-americana. Daquelas que está condenada ao sucesso mesmo antes de estar terminada... e que me cria alguma alergia, fazendo perder qualquer vontade de ir ver o filme... Mas a verdade é que fui... ao fim de alguma insistência, acabei por ir... Não há nada como um bom convite!

Por detrás de uma historinha de amor e de um filme cor-de-rosa está uma mensagem profunda... ao alcance de quem a quiser enfrentar... porque o filme está longe de ser dirigido a mentes eruditas. Posso dizer-vos que adorei! E até deu para encher os olhos de água...

O mais importante na vida são as histórias... histórias do que vivemos e do que sentimos... do que outros viveram e como sentiram esses momentos... e como os contam. Esta é uma das mensagens mais giras do filme, especialmente porque narrada pela ingenuidade infantil de um miúdo arborígena.

Da história cor-de-rosa nada vou escrever... é igual às outras... e faria perder o interesse em que for ver o filme. Prefiro "picar" um tanto mais a curiosidade de quem me lê, com o que vou escrever a seguir. Ainda que de forma resumida... tal como a linguagem arbirígena...

A mensagem que fica é que quando não amamos, quando fugimos dos nossos sentimentos, estamos mortos... vazios... e infelizes! Quando temos medo de amar e de sofrer a falta de outra pessoa, em vez de acreditar na magia dos sonhos e na nossa capacidade de os fazer acontecer, não seremos felizes, nem nunca viveremos plenamente. Sem o misticismo dos sentimentos a vida não tem côr nem sentido. No fundo, é atrás dos nossos medos que se esconde a nossa maior felicidade. E quando tudo parece perdido, basta continuar a acreditar para que a vida, por si só, nos traga a solução... e que neste filme surge através da música, a mais misteriosa de todas as artes (e a mais completa para mim). Basta para tal não travarmos o que naturalmente nos sucede: o sucesso dos nossos sonhos sobre o presságio dos nossos medos e receios.

No fundo, passamos a vida a contrariar a natureza e a nossa felicidade... mas se vivermos em sintonia com esta, poderemos beneficiar do que conspira em nosso favor. E é tão simples... Basta conseguirmos controlar o nosso cérebro que nos leva constantemente para o martírio de "supostos" erros no passado, ou para o planeamento e controlo absoluto de cada passo no futuro... deixando de viver e saborear o momento... o presente... a única coisa que realmente é real. Começa por ser um preconceito classificar certos actos como erros... sem estes não evoluiríamos; não saberíamos o que aconteceria se actuassemos de forma diferente... ou não actuassemos! O futuro deve ser construído a partir das vivências do presente e não abdicando destas, contrariando o leque de sentimentos, habituando-nos a viver sem sentir o que o presente nos oferece, em prol de um suposto "planeamento" que vai contra o que mais natural seria: tirar partido das vivências presentes, em vez de tentar construir um futuro baseado apenas em pensamentos, preconceitos e ideias pré-concebidas.

Para viver feliz, em sintonia com a natureza e beneficiando da sua perfeição, é mesmo necessário fazermos a nossa "viagem ritual"... arriscar... enfrentar o desconhecido... sem ter nem saber quer armas vamos ter e que desafios vamos enfrentar.

Sérgio

11 janeiro 2009

I'm loosing you...

Dedicado à mulher mais misteriosa do mundo.

Sérgio






Here in some stranger's room,
Late in the afternoon,
What am I doing here at all?
Ain't no doubt about it,
I'm losing you,
Somehow the wires have crossed,
Communication's lost,
Can't even get you on the telephone,
Just got to shout about it,
I'm losing you,
Here in the valley of indecision,
I don't know what to do,
I feel you sliping away,
I feel you sliping away,
I'm losing you,
I'm losing you,
You say your not getting enough,
But I remind you of all that bad stuff,
So waht the hell am I supposed to do?
Just put a bandaid on it?
And stop the bleeding now,
Stop the bleeding now,
I know I hurt you then,
But that was way back when,
And well, do you still have to carrey that cross?
Don't want to hear about it,
I'm losing you,
I'm losing you.

(I'm loosing you, John Lennon)

Stay...

...don't stay in front of the computer... take the Craig Armstrong album, turn it on the stereo, and stay... with me... just earing it!

Sérgio



Green light, Seven Eleven
You stop in for a pack of cigarettes
You don't smoke, don't even want to
Hey now, check your change
Dressed up like a car crash
Your wheels are turning but you're upside down
You say when he hits you, you don't mind
Because when he hurts you, you feel alive
Hey babe, is that what it is

Red lights, gray morning
You stumble out of a hole in the ground
A vampire or a victim
It depend's on who's around
You used to stay in to watch the adverts
You could lip synch to the talk shows

And if you look, you look through me
And when you talk, you talk at me
And when I touch you, you don't feel a thing

If I could stay...
Then the night would give you up
Stay...and the day would keep its trust
Stay...and the night would be enough

Faraway, so close
Up with the static and the radio
With satelite television
You can go anywhere
Miami, New Orleans
London, Belfast and Berlin

And if you listen I can't call
And if you jump, you just might fall
And if you shout, I'll only hear you

If I could stay...
Then the night would give you up
Stay...then the day would keep its trust
Stay...with the demons you drowned
Stay...with the spirit I found
Stay...and the night would be enough

Three o'clock in the morning
It's quiet and there's no one around
Just the bang and the clatter
As an angel runs to ground

Just the bang
And the clatter
As an angel
Hits the ground

(Stay, U2 - Zooropa, 1993)

08 janeiro 2009

If only I could change your mind...

...seria uma possibilidade... mas preferia que me entendesses...

Sérgio



I prefer to spend my time in solitary ways
Keeping myself to myself
Can't pretend that it's been easy since you went away
Living with somebody else

If you should change your mind
If you should turn around and look behind
If you could see me the way I used to be
At the risk of bringing back the sorrow and despair
I would do it all again
Holding on to memories and pretending not to care
Knowing that the show was soon to end
If only I could change your mind
If only you would change
If I had the chance I'd do it all again
I would do it all again

I remember windy shores on menancholy days
Drifting along with the tide
And the joy of simple things and ordinary ways
Taking it all in my stride

If you should change your mind
If I could let you see what lies behind
If you could see need me the way it used to be

Even for the moment of the happy times we shared
Living in my dreams since then
At the risk of losing only castles in the air
Come with me and we can try again
Oh, if I could change your mind

Can't pretend it's been lonely since you went away
Oh, if I could change your mind

(Alan Parsons Project, EVE - If I Could Change Your Mind)

The Meeting...

Para quando...

Sérgio



Surely I could tell
When I sleep tonight
A dream will call
And raise it's head in majesty
Dividing all my energy
To the meeting of your love

Where from whence it came
Like a singer searching for a song
I try to reach where you belong
As I will be the song for you
I will be your servant child

No, oh no
I cannot be deceived
No, oh no
There's something
That I feel
There's something that I feel inside

Surely I could tell
If you ask me Lord
To board the train

My life my love would be the same
As I could be the one for you
In the meeting of your love
In the meeting of your love

(The Meeting - Anderson, Braford, Wakeman and Howe)

Ilumina-me...

...totalmente perdido.

Sérgio




Gosto de ti como quem gosta do sábado,
Gosto de ti como quem abraça o fogo,
Gosto de ti como quem vence o espaço,
Como quem abre o regaço,
Como quem salta o vazio,
Um barco aporta no rio,
Um homem morre no esforço,
Sete colinas no dorso
E uma cidade p'ra mim.

Gosto de ti como quem mata o degredo,
Gosto de ti como quem finta o futuro,
Gosto de ti como quem diz não ter medo,
Como quem mente em segredo,
Como quem baila na estrada,
Vestido feito de nada,
As mãos fartas do corpo,
Um beijo louco no porto
E uma cidade p'ra ti.

Enquanto não há amanhã,
Ilumina-me, Ilumina-me.
Enquanto não há amanhã,
Ilumina-me, Ilumina-me.

Gosto de ti como uma estrela no dia,
Gosto de ti quando uma nuvem começa,
Gosto de ti quando o teu corpo pedia,
Quando nas mãos me ardia,
Como silêncio na guerra,
Beijos de luz e de terra,
E num passado imperfeito,
Um fogo farto no peito
E um mundo longe de nós.

Enquanto não há amanhã,
Ilumina-me, Ilumina-me.
Enquanto não há amanhã,
Ilumina-me, Ilumina-me.

(Pedro Abrunhosa, Luz, Ilumina-me)

06 janeiro 2009

Noite de Reis.

Eu ainda estou à espera do meu "presente" de Natal... ou de Ano Novo... não é que acredite no Pai Natal... ou nos Reis Magos... mas... quem sabe?!

Sérgio


Os Magos que não chegaram a Belém

Há sempre os que conseguem e os outros. Os que ficam pelo caminho. Com os magos aconteceu o mesmo. Só três – os reis Baltasar, Melchior e Gaspar – chegaram a Belém e deixaram os seus presentes, de ouro, incenso e mirra, aos pés do Menino. Mas os magos, sacerdotes que estudavam o céu e os seus astros, eram muitos. E outros se puseram a caminho, seguindo aquela estrela, súbito, nascida no firmamento e mais brilhante do que todas as outras que aqueciam a noite.
Desses, três sacerdotes da Caldeia, adoradores do sol e da natureza, porque dela se sentiam dependentes, decidiram também partir juntos para melhor enfrentarem os perigos de uma viagem, sem estrada conhecida, na esperança de alcançarem a Luz que aquele sinal anunciava. Não eram reis, nem tinham coroa, nem sequer montada de camelo ou burrinho manso. Também não levavam presentes, apenas a ansiedade dos seus corações. E, confiantes, abandonaram as margens verdes do Eufrates, o trilho conhecido das caravanas e, guiados pela estrela, puseram-se a seguir a liberdade dos caminhos, crentes de que a força da esperança e da fé (não conheciam ainda o Amor) lhes permitiria chegar. Onde? Não sabiam. Mas lá, junto daquela Luz que havia de transformar o mundo, de águas transparentes, fulvos desertos varridos pelo vento e frescos oásis, que reflectiam o azul entre o verde nas palmeiras, no paraíso, aonde os homens ansiavam regressar. E nessa esperança caminhavam. Não por carreiros atapetados pelo musgo dos presépios, que vieram séculos depois, e se nos tornaram familiares, na infância, com seus trilhos fáceis de serrim, lagos-espelhinhos onde nadavam patos, anacrónicas gentes quotidianas: lavadeiras, vendedoras de castanhas e galinhas, pastorzinhos de gado tresmalhado por veredas, cortadas por mudos riachos de papel prateado. Também não caminhavam por entre as sombras frondosas e frescas, com possibilidade de pousada em palácios e castelos, como quis a pintura e os seus mestres. Caminhavam pelo silêncio, com a sua fome e a sua sede, o calor do dia e o frio das noites, solitárias. Palmilhavam o oceano das dunas do deserto, à luz da lua, como se o fizessem pelo pó de todas as clepsidras do tempo. E nem sequer dormiam num leito, irmanados pelo mesmo lençol de pedra, como o românico fixou os outros três, mais conhecidos, com as suas coroazinhas na cabeça. Enrolavam-se apenas no sono que os descansava do cansaço dos dias e lhes dava novas forças, que refaziam com a água e as tâmaras dos oásis, o pão e os figos secos que tinham trazido.
Às vezes, quando o olho do sol se tornava ígneo ou paravam para uma refeição ou um descanso, discutiam a direcção que vinham a seguir.
— Não vos parece que a estrela aponta a Judeia? — perguntava um.
Os outros, incrédulos, pensavam secretamente se haveria alguma coisa a esperar de um povo escravizado pelos romanos e encolhiam os ombros.
— A mim parece-me antes o Egipto o rumo indicado — atrevia-se o mais novo. — E a vós?
— É ainda cedo para uma certeza, mas em breve o saberemos...
E retomavam a caminhada até pela noite dentro – a estrela sempre adiante, lanterna que os não deixaria perder. Duas noites de névoa, porém, esconderam-na aos seus olhos, ansiosos. E então, desorientados, disputaram azedamente, perdidos e sem rumo. Todavia, na terceira noite, a estrela reapareceu, mais cheia de brilhos, como se no seu bojo houvesse mil reflexos de espelho. Quem, conhecendo a Luz, deseja continuar nas trevas? Nem sentiam o cansaço, a língua encortiçada pela sede, o olhar enceguecido pelas tempestades de areia, o ventre cavado pela marcha e pelo magro alimento. A esperança, serpente de água, a esgueirar-se, fugidia, entre os juncos, tinha regressado aos seus corações.
A noite do solstício aproximava-se e eles estavam certos de que, se aquela Luz anunciava algum acontecimento, ele teria lugar na noite sagrada, pois o sol era a alegria e o pão da terra. E, ao mesmo tempo, não podiam deixar de sentir uma certa inquietação em face daquela claridade que aumentava de brilho como a anunciar uma Outra que apagaria a do próprio astro de que eram adoradores. Seria realmente aquela a Luz que tornaria o mundo de manhãs claras, tardes ardentes e noites estreladas, mais perfeito, menos rasgado por ódios, guerras e injustiças? Quem podia ter a certeza? Do que parecia não haver dúvidas era de que a estrela indicava a Judeia. Tinham de render-se à evidência. E nessa direcção seguiam agora, os pés já feridos do caminho, cada vez mais áspero e pedregoso. Mas, mesmo forçando a marcha e lutando contra o tempo e o cansaço, a noite desejada encontrou-os à boca do Mar Morto e a estrela fazia jorrar a sua cratera de brilhos mais para além, mais para o norte. Exaustos, não podiam seguir adiante. Mas o cristal de miríades de luzeiros, que pareciam mais belos e mais luminosos no silêncio suspendido do ar gelado, permitia-lhes procurarem uma gruta para se abrigarem e dormirem, antes de continuarem a jornada. E foi o que fizeram.
— Aqui! — gritou o mais jovem, que caminhava na dianteira.
Os outros, mais trôpegos e cansados, juntaram-se-lhe.
Era uma caverna escurecida pelo fumo das fogueiras dos pastores e que, embora vazia, parecia uma boca de forno, ainda quente do bafo dos animais.
— Escutem! — disse um deles.
À medida que penetravam na gruta, ouviam vagidos, que julgaram de animal ferido. Todavia, quando reacenderam o fogo, deparou-se-lhes uma criança recém-nascida, nua e roxa, a chorar de frio e fome.
— Quem teria tido a coragem de a abandonar?! — indignou-se o mais velho, que rasgou logo um pedaço de manto e a envolveu.
— Pobrezinha, como chora!
Os outros debruçaram-se também, carinhosos e solícitos, sobre o pequeno fardo. Depois olharam-se, perplexos. Que fariam? Podiam aquecê-la, protegê-la – mas como alimentá-la?
E foi então que ouviram, vindos do fundo da gruta, outros vagidos.
— Ide ver! — pediu o mais idoso, que se tinha sentado perto do lume, tentando aquecer a criança, enquanto a embalava, desajeitadamente, nos seus braços, nodosos e velhos.
Os outros juntaram uns gravetos secos e atearam-nos nos tições, acesos, e com aquela débil claridade varreram as sombras. No fundo da gruta estava uma ovelha, de úberes cheios e dolorosos, que lambia a sua cria morta. Era uma noite santa aquela. Ali estava a prova. E, contentes, arrastaram o animal até junto do companheiro e da criança. Depois, com muito jeito e devagar, enquanto um segurava o animal, o outro fazia pingar umas gotas de leite para a boquinha, que em breve se tornou sôfrega. Pacientes, continuaram a tarefa e viram-se recompensados. Aquecida e consolada, a criança aquietou-se. O mago que a tinha nos braços, como um avô, e os outros começaram a tratar da magra ceia e a assar, nas brasas, os figos secos que lhes restavam.
— Temos de regressar... — disse, então, o mais velho, depondo a criança adormecida num recôncavo largo de rocha, não longe do borralho.
— Assim terá de ser — concordou logo outro.
— Somos homens e sacerdotes e nunca seremos uma família para a criança. Temos de nos apressar a entregá-la a uma mulher piedosa que cuide dela e a eduque juntamente com os filhos.
— Sim, ou a uma mulher estéril para quem seja a bênção desejada — tornou o primeiro. — Mas isso resolveremos depois do regresso. O urgente é regressarmos.
— Regressar?! E a Luz que vínhamos a seguir? — protestou o mais novo, para quem era doloroso, depois de tantos trabalhos e canseiras, não levar a cabo o que se tinha proposto. — Desistimos assim da Luz que nos guiou até aqui? Desistimos, agora, quando estávamos já perto?
— Compreendo o que sentes, irmão, também já fui novo... Mas há a criança. Como poderemos abandoná-la?
— Sim... há a criança — e também o mais novo, que tanto se tinha esforçado por alimentá-la, se inclinou e sorriu para vê-la dormir.
— A Luz que vínhamos a seguir — ponderou ainda o mais velho — não poderá ser ocultada e dela teremos notícia. Lembremo-nos de que a Luz ilumina e nem mesmo as trevas podem escondê-la para sempre. O nosso caminho é o do regresso e será longo, pois teremos de nos revezar com a criança nos braços, embora seja já uma bênção termos a graça de um alimento que ainda sobrará para um gole de sede nosso. Descansemos, agora, enquanto dorme.
— Tens com certeza razão — concordou o mais novo, que também não se sentia capaz de recusar a criança, presente da noite santa e, quem sabe, daquela misteriosa Luz.
O braseiro consumia-se, lento, perfumado pelo açúcar dos figos assados nas brasas. A ovelha deitara-se junto da criança, aninhando-a na sua lã, também ela apaziguada, como se tivesse recuperado a sua cria. Uma paz despetalava-se no silêncio da noite e caía sobre a gruta.
Esta foi a história. Não adoraram o Messias, salvador, o que devia chegar para que a paz e a justiça florissem até ao fim das luas, o que teria compaixão do fraco e do pobre e havia de lançar a sua bênção sobre todas as raças, povos e línguas. O anjo do Senhor não lhes apareceu, nem foram envolvidos na sua claridade. Não ouviram cantar: «Glória a Deus nas alturas e paz na Terra aos homens de boa vontade».
Mas tinham vivido o Amor, essência daquela doutrina que ainda não tinha sido pregada e ninguém registara ainda. No mais íntimo dos seus corações tinham sentido aquela verdade: «O que fizerdes ao mais pequeno e ao mais ínfimo a Mim o fareis». E naquela noite, em que os animais falaram, as flores abriram o esplendor das suas pétalas nas trevas como se as entregassem à luz do meio-dia, e as pedras puderam deslocar-se para se dessedentarem nos regatos mais próximos, adormeceram com a criança aconchegada entre eles.
Longe, a estrela fazia descer a sua cascata de fogo sobre Belém de Judá.

Luísa Dacosta
Natal com Aleluia
Porto, Ed. ASA, 2002
Adaptação
O Clube de Contadores de Histórias da Escola Secundária com 3º ciclo Daniel Faria, Baltar (http://www.contadoresdestorias.wordpress.com/)

03 janeiro 2009

Casino Royale.

Ouçam isto!

Fantástico... ouvi-os pela 1.ª vez nas Noites Ritual do Palácio de Cristal, em Agosto do ano passado (2008 para não haver confusões!).

E são Portugueses!!!


Sérgio

31 dezembro 2008

2009, o Ano da Sereia!


2008 chega ao fim e fácil seria inúmerar o que correu mal e as desgraças, tragédias, a suposta crise... enfim! Felizmente, por muito mau que tenha sido o ano, só me lembro das coisas boas que nele vivi... e são essas que quero reter... afinal, somos aquilo que pensamos! E como o que ouvimos, influencia o que pensamos, não quero sequer ouvir a minha consciência a dizer inutilidades... Os outros é fácil calar, agora a nossa consciência pode ser mais delicado... requer treino!

Acreditar em nós próprios leva-nos até ao infinito. Por outro lado, acreditar que falhamos em determinado momento, implica terminar a nossa jornada. A característica mais notável de todos nós, pessoas de sucesso, é a de nunca, nunca, alimentarmos pensamentos de fracasso.

De cada vez que um ano se esgota e que outro aparece, pomos num prato da balança os 365 dias passados, e no outro, os 365 dias que nascem... e vemos para qual dos lados pende a balança. Não tenho dúvidas que neste acerto de contas, muitos são os que teimam em ter um passado pesado... E é claro que outros há também, com pratos que pendem ao contrário. 2009 não será um ano fácil, isso é certo; mas não mais difícil que os anteriores. Será um ano melhor e de mudança, e com esta virão certamente oportunidades e coisas boas, que colheremos mais à frente, se as soubermos semear e aproveitar. Por isso, para que tenhamos esperança fundada em prósperos anos vindouros, desejo a todos, desde já, um 2009 cheio de mudanças e felicidades.

Lembrem-se que o Pai Natal só vem uma vez por ano... mas nós estamos cá todos os dias! O melhor do ano não está na noite que Natal... mas em preparar o Natal ao longo do ano. A festa não é a da noite da passagem de ano, mas sim a forma como vivemos o ano inteiro... os 365 dias... esses é que são a verdadeira festa!

Não sou uma pessoa espiritual... as pessoas distinguem-se e valem pelo incorpóreo e invisível que têm dentro de si (e independentemente da embalagem exterior), mas quando morremos tudo se esvai... Por isso, há que aproveitar ao máximo todos os momentos que estamos vivos; é quase, viver como se não houvesse amanhã e fazer tudo o que podermos para que a vida não passe por nós, mas nós por ela. Há um peso que nunca vou carregar... e até já o carreguei no passado... o de me arrepender pelo que não fiz! Prefiro fazer tudo que está ao meu alcance... mesmo asneiras... Também não sou muito de olhar para trás, mas quando o faço, e mesmo percebendo o que poderia ter feito melhor (e é sempre muito!), dificilmente me arrependo... Por vezes arrependo-me da forma, mas o conteúdo inevitavelmente teria de ser aquele.

Não sendo espiritual, não sou fã de horóscopos... nem do zodíaco, nem do chinês... apesar de achar que este último faz bem mais sentido que o primeiro (mas gosto dos mapas astrais!). Por isso, e com base no pouco crédito que este me proporciona, decreto que 2009 seja o "Ano da Sereia"! Será um ano caracterizado por sucesso na vida profissional de todos os que são empreendedores, e de realização afectiva daqueles que acreditam nos sentimentos como forma de vida... daqueles que são capazes de tratar os outros como gostariam de ser tratados, e independentemente da quantidade de pontapés, rejeições e desconsiderações de que são alvo todos os dias.

Os últimos tempos têm sido de falta de inspiração por estes lados... Não sou de ferro... E algumas grandes contrariedades, quer profissionais, quer afectivas, acabam por me retirar capacidade criativa... por isso, os textos são substituídos por letras e músicas, onde me revejo. Mesmo o texto de hoje, está cheio de passagens que li algures... qualquer semelhança é pura realidade!

A música tem esse dom... de me fazer reviver momentos felizes, enaltecer sentimentos que privilegio. A combinação entre letras e sons, apregoa o contexto emocional que o nosso imaginário revê... só a letra, seria incapaz... até porque por mim não havia sido escrita.

Tudo isto combate o tal estado de desilusão ou fracasso com que tantas vezes sou confrontado... A solução não está em evitar esses estados, muito menos as situações que a estes conduzem; a solução está em revertê-los rapidamente, ou instantâneamente se possível. Sem medo... sempre sem medo! Somos sempre capazes de os reverter... se não fosse o medo a bloquear-nos, tal o faríamos quase inconscientemente... Mas por vezes complicamos e permitimos que o medo se apudere de nós... Se não fossemos tão racionais, agiríamos instintivamente: um rato decide sempre em sem favor... instântaneamente... instintivamente... nunca hesita entre continuar a viver ou desistir. Claro que as suas opções de vida são mais básicas... A solução está em agir racionalmente e pensar: se eu não tivesse medo, como reagiria? Rapidamente concluíremos que aquilo que receamos nunca é tão mau quanto nós estimávamos... rapidamente nos apercebemos que o medo que permitimos que se gere no nosso pensamento é muito mais nocivo do que a situação em si... É que o medo aumenta quando nada se faz... Mas ultrapassar um medo é uma sensação agradável... mostra-nos o que de melhor há dentro de nós!

Há frases que saiem das músicas e que expressam bem qual é a nossa direcção... querer revertê-lo é querer viver morto... A acreditem que isso se torna mais penoso do que morrer de vez! Afinal, todos diferentes, mas no fundo, todos iguais...

Como cantavam Jennifer Warnes e Joe Cocker nos "ridículos" anos 80 "...love lifts us up to where we belong..."... é ridículo contrariar isto... afinal, o amor não é o queremos sentir, mas o que sentimos sem querer!

Há uns dias atrás recebi um email com esta mensagem (obrigado Paula!).

"Rios de amor para os meus amigos... Feliz ano novo para todos!

Dentro de alguns dias, um Ano Novo vai chegar a esta estação. Se não puderes ser o maquinista, sê o seu mais divertido dos passageiros. Procura um lugar próximo à janela, desfruta cada uma das paisagens que o tempo te oferecer, com o prazer de quem realiza a primeira viagem. Não te assustes com os abismos, nem com as curvas que não te deixam ver os caminhos que estão por vir. Procura desfrutar a viagem da vida, observando cada arbusto, cada riacho, os beirais de estrada e os tons mutantes de paisagem. Desdobra o mapa e planeia roteiros. Presta atenção a cada ponto de paragem e fica atento ao apito da partida. E quando decidires descer na estação onde a esperança te acenou, não hesites... Aventura-te e desembarca nela os seus sonhos...

Desejo que a tua viagem pelos dias do próximo ano, seja de PRIMEIRA CLASSE!"

Nem por coincidência, a ANTENA3 passava "Quando eu te falei amor" do André Sardet, onde se pode ler/ouvir:

"...Quando eu te falei em amor
Nós sentimos os dois
Que o amanhã vem depois
E não no fim..."

Entrei num sonho por entre centenas de músicas que me vieram à mente... E o fundamento base das letras é sempre o mesmo (e não precisam de ser lamechas ou melodramáticas! eheheh!).

Se meio distraído estava... de um momento para o outro, tudo o que lêmos, ouvimos, dizemos está interligado... o fundamento é sempre o mesmo... Todo o ser humano gosta e precisa de ser reconhecido e as necessidades afectivas são as prioritárias. São estas que são capazes de gerar maior quantidade de adrenalina e desencadear todos os que são os nossos maiores feitos. Portanto, vamos contrariar o quê?! Tapar o sol com a peneira e armarmo-nos em independentes e altruístas para quê?! Enganarmo-nos a nós próprios, mesmo que consigamos enganar os outros, porquê?!

Esta viagem pelo meu imaginário terminou interrompida novamente pela ANTENA3, desta vez com o Pedro Abrunhosa e "Quem me leva os meus fantasmas?":

"Aquele era o tempo
Em que as mãos se fechavam
E nas noites brilhantes as palavras voavam,
Eu via que o céu me nascia dos dedos
E a Ursa Maior eram ferros acesos.
Marinheiros perdidos em portos distantes,
Em bares escondidos,
Em sonhos gigantes.
E a cidade vazia,
Da cor do asfalto,
E alguém me pedia que cantasse mais alto.

Quem me leva os meus fantasmas,
Quem me salva desta espada,
Quem me diz onde é a estrada?

Aquele era o tempo
Em que as sombras se abriam,
Em que homens negavam
O que outros erguiam.
E eu bebia da vida em goles pequenos,
Tropeçava no riso, abraçava venenos.
De costas voltadas não se vê o futuro
Nem o rumo da bala
Nem a falha no muro.
E alguém me gritava
Com voz de profeta
Que o caminho se faz
Entre o alvo e a seta.

Quem leva os meus fantasmas,
Quem me salva desta espada,
Quem me diz onde é a estrada?

De que serve ter o mapa
Se o fim está traçado,
De que serve a terra à vista
Se o barco está parado,
De que serve ter a chave
Se a porta está aberta,
De que servem as palavras
Se a casa está deserta?

Quem me leva os meus fantasmas,
Quem me salva desta espada,
Quem me diz onde é a estrada?"

Bem... acho que já chega de devaneio... já escrevi hoje pelo mês inteiro (ehehe! rimou!). Tenho consciência que não tenho os parafusos todos bem apertados (pelo menos, a minha mãe todos os dias faz questão de mo lembrar...), portanto, não liguem muito a tudo isto, mas sejam felizes, porque assim eu também serei um bocadinho mais!

Despeço-me com a seguinte mensagem, que é realmente o que vos desejo a todos em 2009 (também esta plagiada... Obrigada CristinaXX!):

"...nesta época belíssima, toda a gente deseja paz, saúde, amor, blá, blá, blá... uma porrada de farsas e discursos! O que eu te desejo de todo o coração é que tenhas relações sexuais incriveis, orgasmos bombásticos, muito sexo inesquecível! Que trabalhes metade e ganhes o triplo deste ano! 1000 noites de prazer e festas de arromba com os amigos! Que te saia o euromilhões, que faças férias fabulásticas, compres uma super mansão nova, troques o teu bólide por um Ferrari, troques a tua moto por outra ainda melhor! Que explodas de alegria em 2009! Feliz Ano Novo!"

Sérgio

30 dezembro 2008

...para mim ainda é Natal...

...enquanto há vida há esperança! E seguramente a vida gira à nossa volta... nem me passa pela cabeça permitir que corra ad-hoc e sem meu controlo sobre os acontecimentos... é preciso é fazer por isso: para que seja como nós queremos... da forma que mais nos faça feliz! Pelo menos no que estiver ao meu alcance, tudo farei para que seja o mais possível em torno de mim...

Sérgio



All I want for Christmas is you
You're the gift that's made my dreams all come true
All I need for Christmas is here
Finding every sweet surprise wrapped up in your eyes
Waiting there for me
Underneath the tree

We'll spend the day
Exchanging kisses
Smile and say
"What a Christmas this is"

Long before the snowflakes appear
Without bells and mistletoe
Or the tinsel's silver glow
You just look at me and oh - Christmas is here

Long before the snowflakes appear
Without bells and mistletoe
Or the tinsel's silver glow
You just look at me and oh - Christmas is here


(A Christmas Love Song - Manhattan Transfer)

27 dezembro 2008

Realize...

Take time to realize,
That your warmth is
Crashing down on in.
Take time to realize,
That I am on your side
Didn't I, Didn't I tell you.

But I can't spell it out for you,
No it's never gonna be that simple
No I cant spell it out for you

If you just realize what I just realized,
Then we'd be perfect for each other
and will never find another
Just realized what I just realized
we'd never have to wonder if
we missed out on each other now.

Take time to realize
Oh-oh I'm on your side
didn't I, didn't I tell you.
Take time to realize
This all can pass you by
Didn't I tell you

But I can't spell it out for you,
no it's never gonna be that simple
no I can't spell it out for you.

If you just realized what I just realized
then we'd be perfect for each other
then we'd never find another
Just realized what I just realized
we'd never have to wonder if
we missed out on each other now.

It's not always the same
no it's never the same
if you don't feel it too.
If you meet me half way
If you would meet me half way.
It could be the same for you.

If you just realize what I just realized
then we'd be perfect for each other
then we'd never find another
Just realize what I just realized
we'd never have to wonder
Just realize what I just realized

If you just realize what I just realized

missed out on each other now
missed out on each other now

Realize, realize
realize, realize.

(Colbie Caillat, Realize)



Sérgio

26 dezembro 2008

O Espírito de Natal...

...afinal há algo de diferente entre esta noite e as outras 364... e pelos vistos não sou o único a dizê-lo...

Sérgio


HOJE É NATAL

O avô Fernando chegou de longe com uma mala muito pesada. Ajudei-o a levá-la para o meu quarto e não o larguei mais, enquanto não a abriu. O que traria ele dentro daquela mala tão grande? Prendas de Natal? Surpresas? Brinquedos? Livros? – perguntava a mim próprio. Mortinho de curiosidade, andei à sua volta como uma mosca, a zumbir perguntas.

— Ó avô, o que é que trazes?

— Tem calma, tem paciência, que logo te mostro! – aconselhou, ainda com a voz ofegante por ter carregado comigo aquela mala.

— Anda lá, diz-me só a mim, que eu não digo a mais ninguém!

— As prendas e as surpresas só se mostram logo, depois da ceia. Não sejas chato!

— Diz-me, que eu prometo guardar segredo! – insisti.

Como tinha de entregar à minha mãe uns produtos para a ceia, que tinha trazido da sua terra, começou a abrir a mala devagarinho e eu fiquei à espera que de lá de dentro saísse qualquer coisa de mágico: um avião que voasse – vrrruuum, vrrruuummm – ou uma coisa assim... capaz de fazer pasmar os meus amigos.

Mas não. Apareceram, entre a escova de dentes, a gilete, o pincel da barba, uma toalha de rosto e o pijama do meu avô, vários embrulhinhos amarrados com fitas coloridas, uma garrafa de azeite, um queijo, uma broa de Avintes, um frasco de azeitonas e uma garrafa que parecia ter dentro água amarela.

— Avô, que prenda me vais oferecer?

— Que prenda me vais dar a mim?

Não lhe respondi. A um canto, estava um rolo envolvido em papel azul-marinho, prateado.

— E isso, o que é? É um telescópio? É um caleidoscópio?

— Olha que tu és muito pegajoso! Está bem, pronto! Eu digo-te, se não, nunca mais te calas. Isso é uma luz para o Natal!

— É de ligar à electricidade? É de acender? É uma estrela para pôr no presépio? – perguntei, agitado.

— Não. Isto é o Espírito do Natal! – exclamou o meu avô, com mistério na voz.

— Espírito? Igual àquele da Lâmpada do Aladino? Se esfregar, sai um génio que faz tudo o que a gente quer? Ó avô és mesmo fixório! Mostra, avô, mostra!

Para não me aturar mais, ele ia a desembrulhar o rolo de papel prateado, quando foi salvo da minha curiosidade pelo chamamento da minha mãe:

— Venham para a mesa!

O meu avô, ainda a arfar da viagem, desceu devagar com a mão no corrimão, e eu acompanhei-lhe os passos.

O meu pai fechou-se na sala de jantar e, querendo fazer um bonito, não nos deixou entrar na sala, onde a mesa já estava posta para a ceia.

As luzes estavam apagadas e a porta fechada. Quando íamos para entrar, o meu pai, muito teatreiro e eufórico, fez:

— Te te te tzzéééé! ! ! – e abriu a porta e as luzes.

Senti uma baforada quente e fui abraçado por um cheirinho a rabanadas, a sonhos, a filhoses, a aletria com desenhos de canela e a bilharacos, que era um doce que o meu avô apreciava muito.

A iluminação da sala estava um espanto, a mesa um espectáculo, a lareira soltava línguas de fogo e a música ambiente eram as vozes de anjos de um CD que a minha mãe comprara de propósito para aquela noite.

Por cima da lareira, o meu pai pôs o presépio e ao canto construiu uma Árvore de Natal, apenas com ramos de pinheiro, porque pensava ele que as árvores não se deviam abater.

Disse-me uma vez:

— Se um dia tiveres de cortar uma árvore, deves pedir-lhe desculpa, ouviste? Uma árvore é um ser vivo!

O meu avô dirigiu-se ao presépio, mirou-o e remirou-o e, por fim, disse:

— Que engraçado! Nunca vi um presépio assim: o Menino Jesus está ao colo da mãe e a manjedoura vazia. Ó Castro, dou-te os meus parabéns, o presépio está muito bonito!

Os olhos do meu pai brilharam com o elogio.

E sabem porquê? É que o meu avô achava que o meu pai era um bocado azelhote para fazer coisas e habilidades com as mãos.

Era a primeira vez que ele vinha a nossa casa, depois do segundo casamento da minha mãe.

Para o impressionar, os meus pais receberam-no com mimos e atenções como se fosse um rei.

Por causa disso, eu comecei a ficar um bocado chateado. Até parecia que os meus pais, naquela noite, decidiram riscar-me do mapa das suas atenções.

Mas não, para mim, aquele Natal não foi só uma noite de paz, foi uma noite de pazes.

— Ah, já me esquecia... Olha, Mário, vai à minha mala buscar o Espírito do Natal, mas trá-lo com cuidado, não lhe mexas, ouviste? – pediu-me o avô Fernando.

O meu pai e a minha mãe cruzaram os olhos de interrogação, ao saber que o meu avô tinha trazido para casa um espírito.

Subi a correr as escadas que davam para o meu quarto e senti que os bichos carpinteiros da curiosidade me atacavam com perguntas:

— O que estaria dentro daquele rolo de papel prateado? Seria mesmo um espírito? E os espíritos têm a forma de um charuto comprido? Seria uma brincadeira ou uma história do meu avô? Pelo sim e pelo não, passei os dedos, ao de leve, pelo rolo.

E se o tal espírito saísse do tubo e me falasse: "Diz-me, Mário, meu amo, que desejas? Diz-me, que a tua vontade será satisfeita!"

Se isso me acontecesse, o que é que eu desejaria? Sei lá, se não ficasse atrapalhado, era capaz de pedir:

— Ó alma boa, ó espírito da luz, quero que arranjes alguém que me faça os deveres de casa, quero um avião a sério que aterre no meu pátio e quero uma moto a motor!

Estava a minha imaginação com gás na tábua quando ouvi a voz do meu avô:

— Então, vens ou não?!

Desci as escadas a correr e entreguei-lhe o rolo de papel prateado. Fiquei à espera, para ver o que de lá saía.

Era agora, era agora que eu ia conhecer o tal Espírito do Natal. Como o avô desembrulhou o rolo com muito cuidadinho, eu comecei a acreditar que, se calhar, havia ali mesmo qualquer mistério.

Desenrolou, desenrolou, até que… apareceu uma simples vela de cera branca.

— Oooohhhh! Uma vela! – disse de mim para mim, muito desiludido.

Embora a sala estivesse inundada de luz, o avô Fernando riscou um fósforo, pediu à minha mãe um castiçal, acendeu a vela e colocou-a no centro da mesa. Depois, disse:

— Na chama desta vela mora o Espírito do Natal! Nesta noite, nesta mesa e nesta chama, para mim estarão presentes todos os nossos antepassados, todas as nossas recordações e todas as pessoas de quem gostamos. Está o meu pai e a minha mãe, está a tua... está a tua... avó que Deus tenha...

O meu avô parou de falar e, em vez de palavras, saíram apenas lágrimas grossas que escorreram pela cara abaixo.

O silêncio que se fez foi tão grande que ficámos todos muito encolhidos, sem saber o que dizer.

Quem nos salvou do peso do silêncio e das lágrimas foi a minha mãe:

— Então, então, pai, hoje é Natal! – falou baixinho a minha mãe, misturando a fala com um beijo.

— Vamos à ceia! – disse, por fim, o avô, ainda com a coragem engasgada.

Depois, comemos, rimos, jogámos ao rapa, ao tira, ao deixa e ao põe até que chegou a hora da distribuição das prendas.

O meu pai deu-me um livro, a minha mãe uma camisa aos quadrados e o meu avô umas grossas meias de lã.

Eu fiquei muito desconsolado porque esperava um brinquedo de espanto, daqueles que fizessem roer de inveja os colegas da rua. O meu avô andava sempre com os pés frios e trouxe meias de lã porque, se calhar, pensou que sofríamos todos do mesmo mal.

Estava tudo a correr bem. Até o meu pai, que andava quase sempre, "cabisbundo" e "meditabaixo", ria-se, ria-se até mais não. A certa altura, o avô chamou-me para a sua beira e disse-me:

— Olha para a luz da vela. Fixa o Espírito do Natal! O que vês? Eu lá olhei, mas o que via era que a chama se inclinava, lenta mente, ora para um lado, ora para o outro.

— Vês alguma coisa?

— Não vejo nada. Só a chama a dizer não, devagarinho!

— Para mim, na Noite de Natal, esta chama significa tudo o que o ser humano tem de bom dentro de si: a saudade do amor, da amizade e da partilha das coisas. É por isso que lhe chamo o Espírito do Natal. Nesta noite, quando fixo a luz da vela, diante dos meus olhos passam, como se fosse em cinema, histórias e vidas das pessoas que amei e se cruzaram comigo ao longo dos anos.

Estou agora a olhar para ela e estou a lembrar-me do Natal mais lindo que eu tive em toda a minha vida. Queres que te conte?

— Conta, avô, conta!

— Mas olha que é uma história triste! Mas verdadeira!

— Não faz mal! Mesmo assim, conta!

A minha mãe e o meu pai aproximaram-se do sítio onde nós estávamos. O avô fixou os seus olhos de formiga na chama da vela e, com uma voz quente e pausada...

— No tempo em que o Natal custava a chegar, vivia eu numa casa pequenina. Eu era pobre e não tinha brinquedos, mas não me importava. Bastava o cheiro que andava pelas ruas e pelos caminhos a fazer miminhos de fraternidade no coração das pessoas.

Era por isso que, quando tinha a tua idade, na véspera de Natal, ao passar pelas outras pessoas, dizia, cheio de alegria:

— Hoje é Natal!

A pouca distância de minha casa, havia uma outra, que não era bem casa. As paredes eram de chapa velha e o chão de terra batida.

O vento entrava por tudo o que era frincha e o frio estava ali plantado.

Uma fogueira fazia de fogão e a única cama que havia era feita de paus de pinheiro, ainda por descascar.

E nessa casa que não era bem casa, tão pequenininha e tão pobre de tudo, morava a Ti Adelaide Tintureira e os seus filhos: a Rosa e o Domingos.

Esta mulher de pele enrugada, de olhos verdes e vida amargurada foi, um dia, transformada em pássaro negro. Por duas vezes se quis matar, atirando-se da ponte de D. Luís para o rio Douro.

Da primeira vez, as saias largas que usava amorteceram a queda e um barqueiro que por ali andava viu-a e, remando rapidamente, retirou-a do rio, ainda com vida.

Da segunda vez que se quis matar estava muito vento. Ao atirar-se da ponte, uma rajada empurrou-a contra os fios de electricidade e neles ficou enrodilhada. Os bombeiros tiraram-na com vida, apenas ficando magoada no peito.

Disseram as velhas da aldeia que tudo isso aconteceu porque o Anjo da Guarda da Ti Adelaide Tintureira, cansado de a proteger durante uma vida cheia de aflições, adormeceu duas vezes.

E, nessas duas vezes, a Morte, ao ver aquela mulher de olhos tristes, transformada em ave negra, não a quis e devolveu-a, sã e salva, para viver o resto do seu destino.

Naquele tempo, a Ti Adelaide Tintureira e os filhos viviam da venda da lenha, apanhada nos pinhais, e de pequenos serviços que lhe encomendavam. Ela e os filhos vestiam do que algumas "almas caridosas" lhe davam.

Passavam muito mal e, quando se vive assim, nem é bom sentir o cheiro do Natal nem ouvir falar de prendas nem de rabanadas. Isso só serve para entristecer a vida de quem tem pouquinho.

— Natal é um dia como os outros! – dizia a Ti Adelaide Tintureira para tentar convencer os filhos a não olharem para as roupas novas que os outros meninos vestiriam no dia seguinte.

Na noite de Natal, em cima da nossa pequena mesa, já fumegava a travessa de bacalhau cozido com batatas e couves-galegas.

Nesse ano, para além das rabanadas, havia um bocadinho de queijo, uns pastéis comprados no Porto e uma garrafa de vinho fino, oferecida pelo Ti Zé Estureta, como consoada, por lhe gastarmos da mercearia.

Para operários de vida dura, aquela ceia de Natal era quase um banquete de rei.

Quando íamos iniciar a refeição da noite de Natal...

— E se fôssemos chamar a Ti Adelaide Tintureira e os seus filhos para cearem com a gente? – propôs o meu pai.

A minha mãe disse que sim e, momentos depois, eu batia à porta da barraca da Ti Adelaide Tintureira.

Lá dentro, a chama da candeia de azeite furava a escuridão e os olhos da Rosa e do Domingos enchiam de tristeza aquela noite, que não era bem igual às outras.

Sem saber o que dizer nem fazer, seguiram-me até à porta da minha cozinha.

Disseram boa noite com voz sumida e, quando se sentaram à volta da mesa daquela família de pobres operários, que era a minha, dei com uns olhos verdes, acesos de alegria.

Eram os da Ti Adelaide Tintureira que pagava aquele gesto bonito com um olhar que já não usava há muito tempo: um olhar de felicidade.

Quando acabámos de comer e de jogarmos o rapa a pinhões, vim cá fora e, pelo intervalo das folhas de uma laranjeira, vi, lá longe, o brilho de uma estrelinha que mais ninguém viu.

Agora, quando olho para o céu, lembro-me dos olhos acesos da Ti Adelaide Tintureira, que foram morar para as estrelas e que me aparecem, na noite de Natal, para me recordarem dos bons sentimentos que ainda não foram apagados do coração das pessoas.

Quando o avô Fernando se calou, olhei para a chama da vela e senti que o Espírito do Natal estava ali e me tinha visitado naquela noite.


José Vaz, Hoje é Natal, Ed. Gailivro, 2000

25 dezembro 2008

We All Stand Together!

A verdadeira musica de Natal!

Sérgio



(We all stand together - Paul McCartney)

23 dezembro 2008

Hallelujah...

...dadas as reclamações pela falta de uma mensagem natalícia neste blog, aqui fica o meu melhor... eheheh!

Feliz Natal a todos!

Sérgio



Now I've heard there was a secret chord
That David played, and it pleased the Lord
But you don't really care for music, do you?
It goes like this
The fourth, the fifth
The minor fall, the major lift
The baffled king composing Hallelujah
Hallelujah
Hallelujah
Hallelujah
Hallelujah

Your faith was strong but you needed proof
You saw her bathing on the roof
Her beauty and the moonlight overthrew you
She tied you
To a kitchen chair
She broke your throne, and she cut your hair
And from your lips she drew the Hallelujah

Baby I have been here before
I know this room, I've walked this floor
I used to live alone before I knew you.
I've seen your flag on the marble arch
Love is not a victory march
It's a cold and it's a broken Hallelujah

Hallelujah, Hallelujah
Hallelujah, Hallelujah

There was a time you let me know
What's really going on below
But now you never show it to me, do you?
And remember when I moved in you
The holy dove was moving too
And every breath we drew was Hallelujah

Hallelujah, Hallelujah
Hallelujah, Hallelujah

You say I took the name in vain
I don't even know the name
But if I did, well really, what's it to you?
There's a blaze of light
In every word
It doesn't matter which you heard
The holy or the broken Hallelujah

Hallelujah, Hallelujah
Hallelujah, Hallelujah

I did my best, it wasn't much
I couldn't feel, so I tried to touch
I've told the truth, I didn't come to fool you
And even though
It all went wrong
I'll stand before the Lord of Song
With nothing on my tongue but Hallelujah

Hallelujah, Hallelujah
Hallelujah, Hallelujah
Hallelujah, Hallelujah
Hallelujah, Hallelujah
Hallelujah, Hallelujah
Hallelujah, Hallelujah
Hallelujah, Hallelujah
Hallelujah, Hallelujah
Hallelujah

(Hallelujah, Leonard Cohen)

The Rose...

Este é mais dos temas que fui buscar ao baú do meu imaginário de miúdo, com o meu Pai a colocar o vinil no gira-discos, enquanto eu me mantinha hipnotizado pelo movimento giratório do rótulo verde e laranja, refletido na tampa do gira-discos.
Conheci este tema pela B.S.O. do filme com o mesmo nome, numa interpretação de Bette Midler. Sempre lhe associei o tom natalício... razão pelo qual (também) o fui buscar agora. Mais tarde descobri que se tratava de um original de Janis Joplin; mais tarde também descobri o significado da letra... Agora até descobri que há uma boys band (Westlife) com uma versão bem estereotipada de balada pop norte americana para este tema. Dá umas certas náusesas, mas curiosamente, o tema é tão profundo, que nem assim não se desvirtuou...


Some say love it is a river
that drowns the tender reed
Some say love it is a razer
that leaves your soul to blead
Some say love it is a hunger
an endless aching need
I say love it is a flower
and you it's only seed
It's the heart afraid of breaking
that never learns to dance
It's the dream afraid of waking
that never takes the chance
It's the one who won't be taken
who cannot seem to give
and the soul afraid of dying
that never learns to live
When the night has been too lonely
and the road has been too long
and you think that love is only
for the lucky and the strong
Just remember in the winterfar
beneath the bitter snows
lies the seed
that with the sun's love
in the spring
becomes the rose...
(The Rose - Janis Joplin)


Sérgio

To Make You Feel My Love...

A minha paixão obsessiva pela música, advém do complemento das palavras e sons transmitirem aquilo que não conseguimos exprimir racionalmente... por muito que tentemos... nunca dizemos tudo o que queríamos... tudo o que pensamos... tudo o que sentimos. Exprimir emoções está além da nossa capacidade de as transcrever em palavras.

Aqui fica um exemplo...


When the rain is blowing in your face,
and the whole world is on your case,
I could offer you a warm embrace
to make you feel my love.

When the evening shadows and the stars appear,
and there is no one there to dry your tears,
I could hold you for a million years
to make you feel my love.

I know you haven't made your mind up yet,
but I would never do you wrong.
I've known it from the moment that we met,
no doubt in my mind where you belong.

I'd go hungry; I'd go black and blue,
I'd go crawling down the avenue.
No, there's nothing that I wouldn't do
to make you feel my love.

The storms are raging on the rolling sea
and on the highway of regret.
Though winds of change are throwing wild and free,
you ain't seen nothing like me yet.

I could make you happy, make your dreams come true.
Nothing that I wouldn't do.
Go to the ends of the Earth for you,
to make you feel my love...

(Adele - To Make You Feel My Love - um original de Bob Dylan, 1977)

Sérgio

20 dezembro 2008

Quando é a Alma a Falar...

... e não o corpo!



Por mais que a vida nos agarre assim
Nos troque planos sem sequer pedir
Sem perguntar a que é que tem direito
Sem lhe importar o que nos faz sentir

Eu sei que ainda somos imortais
Se nos olhamos tão fundo de frente
Se o meu caminho for por onde vais
A encher de luz os meus lugares ausentes

É que eu quero-te tanto
Não saberia não te ter
É que eu quero-te tanto
É sempre mais do que te sei dizer
Mil vezes mais do que eu te sei dizer

Por mais que a vida nos agarre assim
Nos dê em troca do que nos roubou
Às vezes fogo e mar, loucura e chão
Às vezes só a cinza que sobrou

Eu sei que ainda somos muito mais
Se nos olhamos tão fundo de frente
Se a minha vida for por onde vais
A encher de luz os meus lugares ausentes

É que eu quero-te tanto
Não saberia não te ter
É que eu quero-te tanto
É sempre mais do que te sei dizer
Mil vezes mais do que eu te sei dizer

(Imortais - Mafalda Veiga, Chão, 2008)


Sérgio

17 dezembro 2008

You're My Home

É outro dos meus temas favoritos, que sai regularmente do "sótão" lá de casa, para me reconfortar no sofá...

Sérgio


When you look into my eyes
And you see the crazy gypsy in my soul
It always comes as a surprise
When I feel my withered roots begin to grow
Well I never had a place that I could call my very own
That's all right, my love, 'cause you're my home
When you touch my weary head
And you tell me everything will be all right
You say, "Use my body for your bed
And my love will keep you warm throughout the night"
Well I'll never be a stranger and I'll never be alone
Whenever we're together, that's my home
Home can be the Pennsylvania Turnpike
Indiana's early morning dew
High up in the hills of California
Home is just another word for you
Well I never had a place that I could call my very own
That's all right, my love, 'cause you're my home
If I travel all my life
And I never get to stop and settle down
Long as I have you by my side
There's a roof above and good walls all around
You're my castle, you're my cabin and my instant pleasure dome
I need you in my house 'cause you're my home.
You're my home.

(Billy Joel - Piano Man, 1973)

http://www.youtube.com/watch?v=c4D40r-E7yk