16 setembro 2005

We wish to inform you that tomorrow, we will be killed with our families.

Estas são, textualmente, as palavras de um pedido de socorro foi enviado por uma comunidade Tutsi durante os massacres que ocorreram no Ruanda em 1994. O pedido não foi atentido e no dia seguinte a mensagem tornou-se realidade.
O genocídio do Ruanda, aconteceu em 1994, há pouco mais de 10 anos! Lembram-se como foi o vosso 1994? Lembro-me de algumas coisas. Lembro-me que esse foi o ano em que comprei o meu primeiro carro apenas com dinheiro que eu ganhara. Lembro-me que vivia em Aveiro, perto de um conservatório e que durante o Verão, quando a janela da sala ficava aberta, a minha casa era gentilmente inundada por música. Lembro-me que nesse verão passava os fins de tarde a aprender a fazer windsurf com um instrutor que parecia saído de woodstock. Lembro-me que na rádio podia-se ouvir a banda sonora do filme "Bodyguard" com a Whitney Houston e o Kevin Costner. Lembro-me que o Kurt Cobain pôs termo à sua vida mas deu início a uma lenda, com um tiro de caçadeira na cabeça. Lembro-me vagamente de ouvir qualquer coisa sobre o Ruanda. Foi por isso que hoje, quando abri o computador para ver como ia o mundo pela lente da BBC (que não sendo isenta sempre é mais equilibrada que as Norte Americanas CNN ou NBC), uma notícia sobre a Justiça ter apanhado um padre Belga que estivera involvido no genocídio do Ruanda, me espicaçou e levou a seguir os links.
Não sei o que me chocou mais descobrir. Se o facto de a igreja católica ruandesa ter estado ligada aos massacres, com centenas de Tutsis a terem sido mortos dentro de igrejas (um bispo chegou a activamente apoiar o assassínio de uma classe de crianças Tutsis dentro da sua própria sala de aula!), se a indiferença da Belgica, da França, dos Estados Unidos, da ONU e do resto da comunidade internacional (todos estavam a par do que se ia passar e nada fizeram para o impedir), se da pura dimensão da brutalidade humana. Num espaço de 100 dias: 800 mil pessoas foram torturadas e mortas à machadada, à pedrada, à paulada, incendiadas. As balas foram para os que tiveram sorte. Homens, mulheres, velhos e crianças. Ninguém escapou à bestialidade assassina de homem contra homem. Nenhuma outra espécie no planeta seria capaz de tal feito.
Talvez seja por ter a Matilde no meu colo e por a sua chegada ter alterado muita coisa na minha vida, inclusivamente a minha forma de ver o mundo, mas fiquei extremamente incomodado por descobrir como tinha sido possível que isto me tivesse passado ao lado. Fiquei incomodado por imaginar que para a maioria da população provavelmente isto não passou de um breve momento de telejornal (ainda assim menos interessante que o resultado do Sporting-Benfica que incidentalmente nesse ano se saldaria por um esclarecedor 3-6). Fiquei incomodado por perceber que a história se repete. Que só na década de 90, duas guerras (a outra é a da desintegração da Yugoslávia, que durou perto de 10 anos e ceifou a vida a cerca de 1,2 milhões de pessoas) de irmão contra irmão, de vizinho contra vizinho, assumiram contornos de genocídios premeditados e planeados. Fergal Keane (correspondente da BBC durante os massacres) afirma numa das reportagens: "After Rwanda, it is impossible for me to ever feel the same again about societies, humanity, and mymself".
Não duvido e por isso é que é tão importante manter viva a memória dos nossos erros. Para que pelos menos fique a esperança de que isso nos impeça de os voltar a cometer outra vez.

(dêm uma leitura por estes sites)

http://news.bbc.co.uk/1/hi/in_depth/africa/2004/rwanda/default.stm
http://www.pbs.org/wgbh/pages/frontline/shows/evil/
http://www.pbs.org/wgbh/pages/frontline/shows/ghosts/
http://news.bbc.co.uk/1/hi/world/africa/3602859.stm
http://news.bbc.co.uk/1/hi/world/africa/3573229.stm
http://news.bbc.co.uk/1/hi/world/africa/1288230.stm
http://news.bbc.co.uk/1/hi/programmes/panorama/3582011.stm
http://www.pbs.org/wgbh/pages/frontline/shows/evil/etc/slaughter.html
http://www.pbs.org/wgbh/pages/frontline/shows/ghosts/video/
http://www.pbs.org/wgbh/pages/frontline/shows/karadzic/genocide/neveragain.html

Nuno Santo Amaro

3 comentários:

CARMO disse...

Antes de mais os meus parabéns, a ti e à Sónia, pela Matilde; não sabia que já tinha nascido (apesar de saber o resultado do SCP-SLB) e espero que corra tudo pelo melhor a vocês os três; desejo-vos as maiores felicidades!
Quanto ao tema do teu email, de facto, andamos todos com as prioridades invertidas... como acabei de provar sobre mim mesmo, no parágrafo anterior... as minhas desculpas a vocês os 3 neste caso.
Bem sei que as desculpas não curam males... mas tu já disseste tudo e sobre um assunto tão avassalador não sei o que dizer sequer, correndo o risco de ficar de braços cruzados como ficou todo o resto do mundo em 94...
I would wish to inform you that tomorrow, we will be safe with our families... but I would be lying...

Anónimo disse...

O ser humano é uma merda! Eu incluído! Mas a complexidade e simultaneidade dos acontecimentos à escala global também não nos permitem acompanhar tudo ao mesmo tempo, sobretudo porque concorrem com a nossa própria sobrevivência. Para nos mantermos vivos, na nossa vidita, quase não podemos prestar apoio aos que não sobrevivem sem ele. Ainda ontem tive conhecimento de um colega que faltou ao trabalho por causa do seu gato que adoeceu, e está a ser quase crucificado por isso. No entanto, e para quem se quiser incomodar ainda em tempo útil procure saber o que se passa no Darfur, sul do Sudão, onde os autóctones pretos têm sido varridos das suas aldeias por milícias muçulmanas do norte, aparentemente apoiadas pelo regime de Kartum. A ONU tem mandado uns observadores que falam de milhares de refugiados, assassínios, violações, mas acção é que nada! A última notícia que li sobre o tema foi sobre um grupo de mulheres que tinha escapado das milícias, sendo encontradas numa estrada por uma patrulha do exército sudanês a quem pediu ajuda. A resposta que lhes deram foi nova violação colectiva. E isto está a acontecer agora! Mas deve haver mais desgraças de que ainda não sabemos, noutros sítios, e até à escala individual. Mas bom, bom, é aquele que trabalha muito, até muito tarde, faz muitos negócios, e se dá de abraço com o chefe, que practicamente não conhece!

Anónimo disse...

Todos nós, pessoas de boa índole e bom coração, temos momentos em que nos sentimos impotentes mediante as desgraças do nosso mundo... mas podemos e devemos dar o nosso contributo, por mais pequeno e inútil que possa parecer, para melhorar o mundo à nossa volta.
Pessoas como nós têm a possibilidade de com pequenos gestos fazer grandes virtudes. E já no nosso dia a dia, temos esses gestos, no reenvio de um e-mail com um pedido de ajuda, na reciclagem que fazemos em nossas casas para preservar o nosso ambiente, nos pequenos contributos que podemos dar para tantas associações que temos no nosso país.
Aproveitando a maré, passo a informar q no próximo dia 15 de Outubro vai ser carregado um contentor do porto de Leixões contendo mercadoria destinada a auxiliar a missão das Irmãs Salesianas em Inharrime, Moçambique. O propósito desta missão é acolher, cuidar e educar as crianças orfãs e desfavorecidas daquela região. O contentor referido tem uma capacidade imensa e ainda se encontra bastante disponível. Sendo que a expedição do mesmo acarreta um custo de cerca de 5000€ (cujo montante já foi doado por alguns beneméritos da causa), o pretendido é q fosse utilizada a capacidade máxima do contentor, com bens elementares e essenciais à sobrevivência e melhoria da qualidade de vida daquelas crianças. Caso esta meta não se cumpra, estaremos literalmente a disperdiçar a verba generosamente oferecida. Por esta razão, peço ajuda para angariarmos a maior quantidade possível de bens, quer pela vossa participação directa, quer pela divulgação entre os vossos amigos e familiares. Os principais bens que eles têm falta são os seguintes, especialmente os 3 primeiros: sabão, leite em pó, medicamentos, roupa de cama, toalhas, roupa e calçado infantil, livros e material escolar, computadores e monitores (apenas se estiverem a funcionar, uma vez que eles não têm meio de os reparar), brinquedos. Se alguém estiver interessado em contribuir, comentem pf... porque o melhor do mundo são as crianças, e já agora Parabéns pela Matilde:-)