24 outubro 2008

Saudade!!!

A nostalgia do Outono desperta-nos uma certa melancolia, acompanhada pelo fascínio do frio, dos dias de chuva passados em casa, acompanhado de uma boa música, filme ou livro. Relembra-me também que as férias de neve estão cada vez mais próximas. Na verdade, não consigo definir que estação do ano gosto mais... todas têm um encanto tão próprio e o seu fascínio nos momentos que me proporcionam.

Esta semana, o tempo arrefeceu substancialmente... já tenho saudades do vento morno do Verão... mas o acordar das brisas matinais frias e do sol de hálito fresco, despertam-me... e até já ando de moto outra vez. O arrepio do frio, as pontas dos dedos e a cara fria são um tónico matinal fabuloso...

Este tema dos Love & Rockets (1986) relembra-me os finais de Verão em Vila Chã, e a saudade e nostalgia que a última quinzena de Agosto me provoca. "Saudade", título do tema, é uma palavra portuguesa de difícil tradução noutras línguas. A música é uma língua universal e esta banda soube traduzi-la na perfeição neste instrumental. As imagens não são propriamente as que mais eu gostaria... mas é o que há!

Quando fui à procura do video no you tube para colocar aqui, esperava encontrar o video original dos Love & Rockets para este fantástico "Saudade". Rapidamente concluí que esse video não existe... o que se entende... a carga emocional do tema é demasiado densa para a colocar em imagens. As fotografias de S. Francisco não fazem o efeito pretendido (nem de perto, nem de longe), excepto para o autor da montagem, a quem agradeço, caso contrário não teria nada para colocar aqui!

Mas nesta busca encontrei algo fantástico! Uma versão portuguesa do tema, para a banda sonora de filme, também ele português ("Um Homem na Cidade)! Não tinha qualquer dúvida que os Love & Rockets se tinham inspirado na melancolia do povo português, na nossa língua e no som da guitarra portuguesa ao criarem este tema. Felizmente, mais alguém cá em Portugal conseguiu ver isto... ao contrário de 99% do país (o que se justifica inteiramente, pois não podem perder nenhum episódio de uma qualquer telenovela brasileira).

É impossível criar uma letra para este tema... mas se pudesse recitar um texto durante o tema, escolheria este.


"A MENINA E O PÁSSARO ENCANTADO

Era uma vez uma menina que tinha um pássaro como seu melhor amigo.
Ele era um pássaro diferente de todos os demais: era encantado.
Os pássaros comuns, se a porta da gaiola ficar aberta, vão-se embora para nunca mais voltar. Mas o pássaro da menina voava livre e vinha quando sentia saudades… As suas penas também eram diferentes. Mudavam de cor. Eram sempre pintadas pelas cores dos lugares estranhos e longínquos por onde voava. Certa vez voltou totalmente branco, cauda enorme de plumas fofas como o algodão...
– Menina, eu venho das montanhas frias e cobertas de neve, tudo maravilhosamente branco e puro, brilhando sob a luz da lua, nada se ouvindo a não ser o barulho do vento que faz estalar o gelo que cobre os galhos das árvores. Trouxe, nas minhas penas, um pouco do encanto que vi, como presente para ti...
E, assim, ele começava a cantar as canções e as histórias daquele mundo que a menina nunca vira. Até que ela adormecia, e sonhava que voava nas asas do pássaro.
Outra vez voltou vermelho como o fogo, penacho dourado na cabeça.
– Venho de uma terra queimada pela seca, terra quente e sem água, onde os grandes, os pequenos e os bichos sofrem a tristeza do sol que não se apaga. As minhas penas ficaram como aquele sol, e eu trago as canções tristes daqueles que gostariam de ouvir o barulho das cachoeiras e ver a beleza dos campos verdes.
E de novo começavam as histórias. A menina amava aquele pássaro e podia ouvi-lo sem parar, dia após dia. E o pássaro amava a menina, e por isto voltava sempre.
Mas chegava a hora da tristeza.
— Tenho de ir — dizia.
— Por favor, não vás. Fico tão triste. Terei saudades. E vou chorar...— E a menina fazia beicinho...
— Eu também terei saudades — dizia o pássaro. — Eu também vou chorar. Mas vou contar-te um segredo: as plantas precisam da água, nós precisamos do ar, os peixes precisam dos rios... E o meu encanto precisa da saudade. É aquela tristeza, na espera do regresso, que faz com que as minhas penas fiquem bonitas. Se eu não for, não haverá saudade. Eu deixarei de ser um pássaro encantado. E tu deixarás de me amar.
Assim, ele partiu. A menina, sozinha, chorava à noite de tristeza, imaginando se o pássaro voltaria. E foi numa dessas noites que ela teve uma ideia malvada: "Se eu o prender numa gaiola, ele nunca mais partirá. Será meu para sempre. Não mais terei saudades. E ficarei feliz..."
Com estes pensamentos, comprou uma linda gaiola, de prata, própria para um pássaro que se ama muito. E ficou à espera. Ele chegou finalmente, maravilhoso nas suas novas cores, com histórias diferentes para contar. Cansado da viagem, adormeceu. Foi então que a menina, cuidadosamente, para que ele não acordasse, o prendeu na gaiola, para que ele nunca mais a abandonasse. E adormeceu feliz.
Acordou de madrugada, com um gemido do pássaro...
– Ah! menina... O que é que fizeste? Quebrou-se o encanto. As minhas penas ficarão feias e eu esquecer-me-ei das histórias... Sem a saudade, o amor ir-se-á embora...
A menina não acreditou. Pensou que ele acabaria por se acostumar. Mas não foi isto que aconteceu. O tempo ia passando, e o pássaro ficando diferente. Caíram as plumas e o penacho. Os vermelhos, os verdes e os azuis das penas transformaram-se num cinzento triste. E veio o silêncio: deixou de cantar.
Também a menina se entristeceu. Não, aquele não era o pássaro que ela amava. E de noite ela chorava, pensando naquilo que havia feito ao seu amigo...
Até que não aguentou mais.
Abriu a porta da gaiola.
– Podes ir, pássaro. Volta quando quiseres...
– Obrigado, menina. Tenho de partir. E preciso de partir para que a saudade chegue e eu tenha vontade de voltar. Longe, na saudade, muitas coisas boas começam a crescer dentro de nós. Sempre que ficares com saudade, eu ficarei mais bonito. Sempre que eu ficar com saudade, tu ficarás mais bonita. E enfeitar-te-ás, para me esperar...
E partiu. Voou que voou, para lugares distantes. A menina contava os dias, e a cada dia que passava a saudade crescia.
– Que bom – pensava ela — o meu pássaro está a ficar encantado de novo…
E ela ia ao guarda-roupa, escolher os vestidos, e penteava os cabelos e colocava uma flor na jarra.
– Nunca se sabe. Pode ser que ele volte hoje…
Sem que ela se apercebesse, o mundo inteiro foi ficando encantado, como o pássaro. Porque ele deveria estar a voar de qualquer lado e de qualquer lado haveria de voltar. Ah!
Mundo maravilhoso, que guarda em algum lugar secreto o pássaro encantado que se ama…
E foi assim que ela, cada noite, ia para a cama, triste de saudade, mas feliz com o pensamento: "Quem sabe se ele voltará amanhã...."
E assim dormia e sonhava com a alegria do reencontro.

P.S.: para o adulto que for ler esta história para uma criança.
Esta é uma história sobre a separação: quando duas pessoas que se amam têm de dizer adeus...
Depois do adeus, fica aquele vazio imenso: a saudade.
Tudo se enche com a presença de uma ausência.
Ah! Como seria bom se não houvesse despedidas...
Alguns chegam a pensar em trancar em gaiolas aqueles a quem amam. Para que sejam deles, para sempre... Para que não haja mais partidas...
Poucos sabem, entretanto, que é a saudade que torna encantadas as pessoas. A saudade faz crescer o desejo. E quando o desejo cresce, preparam-se os abraços.
Esta história, eu não a inventei.
Fiquei triste, vendo a tristeza de uma criança que chorava uma despedida... E a história simplesmente apareceu dentro de mim, quase pronta.
Para quê uma história? Quem não compreende pensa que é para divertir. Mas não é isso.
É que elas têm o poder de transfigurar o quotidiano.
Elas chamam as angústias pelos seus nomes e dizem o medo em canções. Com isto, angústias e medos ficam mais mansos.
Claro que são para crianças.
Especialmente aquelas que moram dentro de nós, e têm medo da solidão…

As mais belas histórias de Rubem Alves
Lisboa, Edições Asa, 2003"



Sérgio

3 comentários:

Gisela FFale disse...

uma história de encantar, com a doce melancolia da saudade e o verdadeiro sentido do amor!..."se amas algo deixa-o livre..."
há quanto tempo que não me "contavam" uma história a começar por "Era uma vez..." e tinha saudades ;)
obg Sérgio;)

Bom fim-de-semana;)

Pedro disse...

nem mais.."Poucos sabem, entretanto, que é a saudade que torna encantadas as pessoas"..é também uma das formas de homenagear alguém...
grande post Sérgio :)
abraço

Anónimo disse...

Eu tenho medo da solidão...
E tenho muitas saudades...