Muito se tem discutido sobre um tema tão simples. Tem havido muito “maquiaveliquidade" na discussão da pergunta e na organização das campanhas.
O movimento do “Não” bate todos os recordes em manipular a opinião das pessoas de forma totalmente desprezível, jogando com os nossos sentimentos e necessidades mais básicas:
- No anterior referendo, conseguiu com a ajuda dos poderes instalados no governo, marcar o referendo num fim-de-semana de 4 dias, em que tendencialmente as pessoas vão para fora e não votam.
- Como desta vez o poder não ajuda, foram buscar aquela ideia ridícula contida numa pergunta cretina, onde ferem a sensibilidade das pessoas, confrontando os cidadãos com a utilização de dinheiro dos próprios impostos, para pagamento dos abortos voluntários. Acho fantástico como um movimento tão pudico coloca a questão monetária à frente da questão humana… Esquecem-se porém, que quando uma criança nasce e é abandonada, a sua custódia recai sobre o Estado e o dinheiro para a sustentar vem da mesma fonte e é bem mais!
- Um dos argumentos mais fantásticos que ouvi dos médicos apoiantes deste movimento, foi o de que ao observarem por ecografia o processo de aborto, o feto tenta fugir da seringa que o irá sugar; portanto, há ali vida humana que está a ser assassinada. A minha pergunta a esses senhores é a de se algum deles, algum dia tentou matar uma formiga ou qualquer insecto… estranhamente estes também tentam fugir! E no entanto, tal como o feto até às 10 semanas, estão vivos e desprovidos de sistema nervoso central. Logo incapazes de sofrer ou pensar, mas reagindo apenas por instinto.
Ouvi os tempos de antena e de facto, o movimento do “não” assenta todos os seus argumento apenas numa palavra: NÃO! Não porque não; não à liberdade de cada um de escolher e optar o que é melhor para si mesmo. E a este nível tão íntimo, quem tem o direito de me dizer o que devo ou não devo fazer?
Ouvi o tempo de antena do “sim”, que perante a “mediavaleza” (hoje estou numa de inventar palavras!) do seu opositor podia brilhar. No entanto, não o fez. Pena… Muitas das opiniões pouco ou nada diziam de relevante, e também dispersavam em temas que para nada aqui são chamados. Felizmente, e pelo menos, não caíram no ridículo de imitar o estilo grotesco do adversário e perguntar: “Preferem o aborto livre ou criancinhas nos caixotes do lixo?”. Entristeceu-me que ninguém realçasse o factor mais importante, e pelo qual já não vivemos debaixo de uma tirania: liberdade! Cada um poder escolher o que é melhor para si; porque há questões com as quais NINGUÉM tem nada a ver.
Felizmente, alguém pelo movimento do “sim” fez uma grande diferença: Prof. Júlio Machado Vaz! Referiu e muito bem que esta é uma questão de saúde e não de justiça, portanto a penalização judicial não faz sentido. Há sim que investir no apoio psicológico a estas mulheres que se defrontam com um momento tão difícil.
Ninguém faz um aborto com a libertinagem de quem vai às compras. Não vão haver nem mais nem menos abortos, pelo facto deste ser legal (vejam-se os números dos outros países em que o aborto foi despenalizado); o que vão deixar é de haver mulheres que incorrem em problemas de saúde, esforços financeiros inadmissíveis e de responderem perante os tribunais porque tiveram de fazer uma opção custosa emocionalmente.
Acima de tudo, nenhum movimento tem o direito de brincar com sentimentos tão importantes, muito menos de jogar com as palavras e com realidades paralelas para conseguir influenciar outros, com menos capacidade de análise, em benefício seu e das suas ideias.
Por essa razão, passo a citar este texto enviado pelo meu amigo da blogosfera Solariso, que apela à sinceridade e à objectividade do tema sobre o qual vamos votar amanhã.
Sérgio
“Uma pergunta directa para uma resposta honesta.
A pergunta a que vamos responder no referendo do próximo dia 11 é compreensível para qualquer pessoa que saiba ler e isso é algo que nenhum contorcionismo político ou gramatical poderá mudar. "Concorda com a despenalização..." A despenalização é, evidentemente, a palavra-chave desta pergunta. É talvez surpreendente, mas o referendo do próximo dia 11 não é acerca de quem gosta mais de bebés, tal como não é acerca de quem mais respeita o sofrimento das mulheres. A pergunta do referendo também não é "dê, por obséquio, o seu palpite acerca de quando é que a alma entra no corpo dos seres humanos", matéria que sempre intrigou os teólogos. Não é acerca de quem gosta de fazer abortos e quem gosta de dar crianças para orfanatos. Por isso e acima de tudo, devo confessar que sofro de cada vez que ouço na televisão jornalistas falarem dos dois campos em debate como o "sim ao aborto" e o "não ao aborto".
Numa pergunta que começa com aquele "concorda com a despenalização", os dois votos possíveis não se dividem em pró-aborto e anti-aborto, e muito menos pró-escolha e pró-vida. Os que respondem "sim" à pergunta são "pró-despenalização". Os que respondem "não" são
"pró-penalização" (ou "anti-despenalização", o que é forçosamente ser a favor da penalização). Tudo o mais é responder com alhos a uma pergunta sobre bugalhos, e qualquer chefe de redacção deveria saber isso. "...da interrupção voluntária da gravidez...". Até agora sabemos que a pergunta é sobre despenalizar, mas ainda não falámos de quê. Há quem tenha problemas com a expressão "interrupção voluntária da gravidez" por considerá-la um eufemismo, mas acontece que é a fórmula correcta para designar um aborto não-natural, não-espontâneo.
Mesmo assim, isto não atrapalha o debate: toda a gente parte do princípio de que IVG é aquilo que, em linguagem corrente, genérica e imprecisa, chamamos "aborto". Os problemas surgem quando nos aproximamos da segunda parte da pergunta. "... se realizada, por opçãoda mulher". No mundo real, o que quer dizer esta parte da pergunta? Quer dizer que a concordância com a despenalização da IVG deve ser dada (apenas e só) no pressuposto de que ela seria realizada por opção da mulher. Basicamente, significa que se uma mulher for forçada a abortar por uma terceira pessoa, esse aborto é crime e essa tal terceira pessoa será punida. Quer dizer que, se fulano apanhar uma mulher grávida, a anestesiar e lhe interromper a gravidez, não poderá eximir-se respondendo que "o aborto foi despenalizado", precisamente porque graças à segunda parte da pergunta o aborto só é despenalizado se for por opção da mulher. No mundo do "não", porém, esta parte da pergunta é a que causa mais engulhos. Percebe-se porquê. "Por opção da mulher"? A mulher, grávida de poucas semanas, a tomar uma decisão? Sozinha? Deve haver aqui qualquer coisa de errado.
Quando se lhes retorque que não poderia ser por opção de outra pessoa, e se lhes pergunta quem queriam então que fosse, a informação não é computada. Algures, de alguma forma, teria de haver alguém mais habilitado para tomar a decisão. O pai? O médico? O Estado? Então e se qualquer deles achasse que a mulher deveria abortar, contra a vontade desta? Pois é. É precisamente por isso que aquele inquietante "por opção da mulher" ali está. "...nas primeiras dez semanas...". Aborto livre, grita o "não"! Aqui está a prova, o aborto é livre até às dez semanas! Ora, meus caros amigos, o limite de dez semanas significa precisamente que o aborto não é livre... Ou o facto de só se poder andar até 50 quilómetros por hora dentro de uma localidade significa "velocidade livre"? Não faz muito sentido, não é verdade?
Enquanto digerem esta pergunta, os adeptos do "não" mudam de estratégia. Então o que acontece às 11 semanas? E o que acontece, meus amigos, quando se anda em excesso de velocidade? É-se penalizado, e a penalização vai-se agravando quanto maior for o excesso de velocidade. Isso quer dizer que, nos pressupostos da pergunta, o aborto não é livre. Não era esse o problema? "... em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?" Esta parte final é tão clara que vou poupar palavras. Um "estabelecimento de saúde" quer dizer que não é um estabelecimento desportivo, e "legalmente autorizado" quer dizer que não é ilegal, ou que não é legalmente desautorizado, se tal coisa existisse.
Mas vale a pena notar o que "legalmente autorizado" não quer dizer. Não quer obrigatoriamente dizer do Estado, mas também não quer dizer privado, particular, ou o que seja. Quer dizer apenas que é num estabelecimento de saúde conforme com os procedimentos legais e que foi expressamente autorizado para a operação em causa. Não há melhor barómetro da má-fé neste debate do que dizer que estamos em face de duas perguntas diferentes, ou até duas perguntas de sinal contrário (uma legítima, a outra capciosa), tentando fazer passar a ideia de que a "segunda pergunta" de alguma forma perverte a primeira, rompendo com ela. Não há aqui primeira nem segunda pergunta: há apenas uma pergunta, que se refere a determinadas condições, condições essas que qualificam e restringem o âmbito da questão. Dizer o contrário disto não é só má-fé, é principalmente má-lógica: se a segunda metade da pergunta está contida na primeira, ela não pode ser mais aberta do que a anterior. Como é natural e faz sentido, cada passo da pergunta a fecha um pouco.
Dizer que é "despenalização da IVG" significa que não é despenalização de qualquer outra coisa, dizer que é "por opção da mulher" significa que não é por opção de qualquer outra pessoa, dizer que é até "às dez semanas" significa que não é sem qualquer limite, dizer que é "em estabelecimento de saúde" significa que não é no meio da rua, e dizer que a pergunta se refere a um estabelecimento de saúde "legalmente autorizado" significa que não pode ser no dentista, ou na farmácia, ou no ginásio. Tudo o resto é apenas uma desculpa para não se assumir as responsabilidades do voto. Pessoalmente, não vejo nesta pergunta nada que não me agrade, e vejo muita coisa que me agrada.
É uma pergunta de compromisso, cautelosa, que prevê os limites mais importantes, deixando a definição das políticas (de saúde, de planeamento familiar, judicial, etc.) para os actores e momentos certos. Pode responder-se sim ou não, e eu responderei "sim". Sou pela despenalização, naquelas condições, como outros são pela penalização mesmo naquelas condições. O que não se pode é invalidar a pergunta, degradando a sua lógica. Trata-se de uma pergunta directa. Como tal, pede apenas uma resposta honesta.
Rui Tavares
«Público» de 3 de Fevereiro de 2007”
O movimento do “Não” bate todos os recordes em manipular a opinião das pessoas de forma totalmente desprezível, jogando com os nossos sentimentos e necessidades mais básicas:
- No anterior referendo, conseguiu com a ajuda dos poderes instalados no governo, marcar o referendo num fim-de-semana de 4 dias, em que tendencialmente as pessoas vão para fora e não votam.
- Como desta vez o poder não ajuda, foram buscar aquela ideia ridícula contida numa pergunta cretina, onde ferem a sensibilidade das pessoas, confrontando os cidadãos com a utilização de dinheiro dos próprios impostos, para pagamento dos abortos voluntários. Acho fantástico como um movimento tão pudico coloca a questão monetária à frente da questão humana… Esquecem-se porém, que quando uma criança nasce e é abandonada, a sua custódia recai sobre o Estado e o dinheiro para a sustentar vem da mesma fonte e é bem mais!
- Um dos argumentos mais fantásticos que ouvi dos médicos apoiantes deste movimento, foi o de que ao observarem por ecografia o processo de aborto, o feto tenta fugir da seringa que o irá sugar; portanto, há ali vida humana que está a ser assassinada. A minha pergunta a esses senhores é a de se algum deles, algum dia tentou matar uma formiga ou qualquer insecto… estranhamente estes também tentam fugir! E no entanto, tal como o feto até às 10 semanas, estão vivos e desprovidos de sistema nervoso central. Logo incapazes de sofrer ou pensar, mas reagindo apenas por instinto.
Ouvi os tempos de antena e de facto, o movimento do “não” assenta todos os seus argumento apenas numa palavra: NÃO! Não porque não; não à liberdade de cada um de escolher e optar o que é melhor para si mesmo. E a este nível tão íntimo, quem tem o direito de me dizer o que devo ou não devo fazer?
Ouvi o tempo de antena do “sim”, que perante a “mediavaleza” (hoje estou numa de inventar palavras!) do seu opositor podia brilhar. No entanto, não o fez. Pena… Muitas das opiniões pouco ou nada diziam de relevante, e também dispersavam em temas que para nada aqui são chamados. Felizmente, e pelo menos, não caíram no ridículo de imitar o estilo grotesco do adversário e perguntar: “Preferem o aborto livre ou criancinhas nos caixotes do lixo?”. Entristeceu-me que ninguém realçasse o factor mais importante, e pelo qual já não vivemos debaixo de uma tirania: liberdade! Cada um poder escolher o que é melhor para si; porque há questões com as quais NINGUÉM tem nada a ver.
Felizmente, alguém pelo movimento do “sim” fez uma grande diferença: Prof. Júlio Machado Vaz! Referiu e muito bem que esta é uma questão de saúde e não de justiça, portanto a penalização judicial não faz sentido. Há sim que investir no apoio psicológico a estas mulheres que se defrontam com um momento tão difícil.
Ninguém faz um aborto com a libertinagem de quem vai às compras. Não vão haver nem mais nem menos abortos, pelo facto deste ser legal (vejam-se os números dos outros países em que o aborto foi despenalizado); o que vão deixar é de haver mulheres que incorrem em problemas de saúde, esforços financeiros inadmissíveis e de responderem perante os tribunais porque tiveram de fazer uma opção custosa emocionalmente.
Acima de tudo, nenhum movimento tem o direito de brincar com sentimentos tão importantes, muito menos de jogar com as palavras e com realidades paralelas para conseguir influenciar outros, com menos capacidade de análise, em benefício seu e das suas ideias.
Por essa razão, passo a citar este texto enviado pelo meu amigo da blogosfera Solariso, que apela à sinceridade e à objectividade do tema sobre o qual vamos votar amanhã.
Sérgio
“Uma pergunta directa para uma resposta honesta.
A pergunta a que vamos responder no referendo do próximo dia 11 é compreensível para qualquer pessoa que saiba ler e isso é algo que nenhum contorcionismo político ou gramatical poderá mudar. "Concorda com a despenalização..." A despenalização é, evidentemente, a palavra-chave desta pergunta. É talvez surpreendente, mas o referendo do próximo dia 11 não é acerca de quem gosta mais de bebés, tal como não é acerca de quem mais respeita o sofrimento das mulheres. A pergunta do referendo também não é "dê, por obséquio, o seu palpite acerca de quando é que a alma entra no corpo dos seres humanos", matéria que sempre intrigou os teólogos. Não é acerca de quem gosta de fazer abortos e quem gosta de dar crianças para orfanatos. Por isso e acima de tudo, devo confessar que sofro de cada vez que ouço na televisão jornalistas falarem dos dois campos em debate como o "sim ao aborto" e o "não ao aborto".
Numa pergunta que começa com aquele "concorda com a despenalização", os dois votos possíveis não se dividem em pró-aborto e anti-aborto, e muito menos pró-escolha e pró-vida. Os que respondem "sim" à pergunta são "pró-despenalização". Os que respondem "não" são
"pró-penalização" (ou "anti-despenalização", o que é forçosamente ser a favor da penalização). Tudo o mais é responder com alhos a uma pergunta sobre bugalhos, e qualquer chefe de redacção deveria saber isso. "...da interrupção voluntária da gravidez...". Até agora sabemos que a pergunta é sobre despenalizar, mas ainda não falámos de quê. Há quem tenha problemas com a expressão "interrupção voluntária da gravidez" por considerá-la um eufemismo, mas acontece que é a fórmula correcta para designar um aborto não-natural, não-espontâneo.
Mesmo assim, isto não atrapalha o debate: toda a gente parte do princípio de que IVG é aquilo que, em linguagem corrente, genérica e imprecisa, chamamos "aborto". Os problemas surgem quando nos aproximamos da segunda parte da pergunta. "... se realizada, por opçãoda mulher". No mundo real, o que quer dizer esta parte da pergunta? Quer dizer que a concordância com a despenalização da IVG deve ser dada (apenas e só) no pressuposto de que ela seria realizada por opção da mulher. Basicamente, significa que se uma mulher for forçada a abortar por uma terceira pessoa, esse aborto é crime e essa tal terceira pessoa será punida. Quer dizer que, se fulano apanhar uma mulher grávida, a anestesiar e lhe interromper a gravidez, não poderá eximir-se respondendo que "o aborto foi despenalizado", precisamente porque graças à segunda parte da pergunta o aborto só é despenalizado se for por opção da mulher. No mundo do "não", porém, esta parte da pergunta é a que causa mais engulhos. Percebe-se porquê. "Por opção da mulher"? A mulher, grávida de poucas semanas, a tomar uma decisão? Sozinha? Deve haver aqui qualquer coisa de errado.
Quando se lhes retorque que não poderia ser por opção de outra pessoa, e se lhes pergunta quem queriam então que fosse, a informação não é computada. Algures, de alguma forma, teria de haver alguém mais habilitado para tomar a decisão. O pai? O médico? O Estado? Então e se qualquer deles achasse que a mulher deveria abortar, contra a vontade desta? Pois é. É precisamente por isso que aquele inquietante "por opção da mulher" ali está. "...nas primeiras dez semanas...". Aborto livre, grita o "não"! Aqui está a prova, o aborto é livre até às dez semanas! Ora, meus caros amigos, o limite de dez semanas significa precisamente que o aborto não é livre... Ou o facto de só se poder andar até 50 quilómetros por hora dentro de uma localidade significa "velocidade livre"? Não faz muito sentido, não é verdade?
Enquanto digerem esta pergunta, os adeptos do "não" mudam de estratégia. Então o que acontece às 11 semanas? E o que acontece, meus amigos, quando se anda em excesso de velocidade? É-se penalizado, e a penalização vai-se agravando quanto maior for o excesso de velocidade. Isso quer dizer que, nos pressupostos da pergunta, o aborto não é livre. Não era esse o problema? "... em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?" Esta parte final é tão clara que vou poupar palavras. Um "estabelecimento de saúde" quer dizer que não é um estabelecimento desportivo, e "legalmente autorizado" quer dizer que não é ilegal, ou que não é legalmente desautorizado, se tal coisa existisse.
Mas vale a pena notar o que "legalmente autorizado" não quer dizer. Não quer obrigatoriamente dizer do Estado, mas também não quer dizer privado, particular, ou o que seja. Quer dizer apenas que é num estabelecimento de saúde conforme com os procedimentos legais e que foi expressamente autorizado para a operação em causa. Não há melhor barómetro da má-fé neste debate do que dizer que estamos em face de duas perguntas diferentes, ou até duas perguntas de sinal contrário (uma legítima, a outra capciosa), tentando fazer passar a ideia de que a "segunda pergunta" de alguma forma perverte a primeira, rompendo com ela. Não há aqui primeira nem segunda pergunta: há apenas uma pergunta, que se refere a determinadas condições, condições essas que qualificam e restringem o âmbito da questão. Dizer o contrário disto não é só má-fé, é principalmente má-lógica: se a segunda metade da pergunta está contida na primeira, ela não pode ser mais aberta do que a anterior. Como é natural e faz sentido, cada passo da pergunta a fecha um pouco.
Dizer que é "despenalização da IVG" significa que não é despenalização de qualquer outra coisa, dizer que é "por opção da mulher" significa que não é por opção de qualquer outra pessoa, dizer que é até "às dez semanas" significa que não é sem qualquer limite, dizer que é "em estabelecimento de saúde" significa que não é no meio da rua, e dizer que a pergunta se refere a um estabelecimento de saúde "legalmente autorizado" significa que não pode ser no dentista, ou na farmácia, ou no ginásio. Tudo o resto é apenas uma desculpa para não se assumir as responsabilidades do voto. Pessoalmente, não vejo nesta pergunta nada que não me agrade, e vejo muita coisa que me agrada.
É uma pergunta de compromisso, cautelosa, que prevê os limites mais importantes, deixando a definição das políticas (de saúde, de planeamento familiar, judicial, etc.) para os actores e momentos certos. Pode responder-se sim ou não, e eu responderei "sim". Sou pela despenalização, naquelas condições, como outros são pela penalização mesmo naquelas condições. O que não se pode é invalidar a pergunta, degradando a sua lógica. Trata-se de uma pergunta directa. Como tal, pede apenas uma resposta honesta.
Rui Tavares
«Público» de 3 de Fevereiro de 2007”
3 comentários:
Um post muito adequado...
Ainda bem que o SIM ganhou, na minha opinião, apesar da abstenção...enfim, não sei o que passa na cabeça de alguns portugueses quando chega a hora de irem votar que é um direito que lhes assiste de contribuirem para mudar algo e não o fazem! Depois queixam-se que o país está como está.
Beijinhos
...sim e ainda vêm com a desculpa que estava a chover e ficaram na preguiça em casa... enfim!
olá carmo!
não sei se ainda te lembras de mim, mas no dia 28 de fevereiro vou ter uma leitura de poesia no clube literario do porto e gostava que aparecesses por lá. vai ser bom com algumas surpresas...
abraço
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