12 outubro 2009

E assim vamos nós...

Ontem quando fui votar pude mais uma vez assistir a acontecimentos tão fantásticos quanto únicos e só possíveis com o nosso querido povo Português (acho eu... não conheço os outros países...).

Demorei 15 minutos para conseguir exercer o meu dever de voto (faz mais sentido do que direito no Séc. XXI). Por bizarro que vos possa parecer, a câmara de voto onde tenho de me dirigir tem uma amplitude de números bastante superior às outras... podia não querer dizer nada... mas disse neste caso. Lá estive eu na fila, que corria lentamente, até que parou! Vá-se lá saber porquê, mas alguém roubou a esferográfica da câmara de voto e enquanto não se arranja outra, ninguém vota! Já dentro da sala de voto, percebi o porquê da lentidão... as respeitáveis senhoras que desenvolviam este trabalho voluntarista à força, não conseguiam ler uma linha seguida (miopia?) e trocavam constantemente os nomes e os números de linhas diferentes. No meio disto, uma delas ainda teve tempo para fazer uma gracinha. Olhou para mim e disse: "Olha, temos um motoqueiro!". Ao que lhe respondi num tom bem mais moderado que o dela: "...motoqueiro não. Motociclista. Concerteza não apelida quem anda de automóvel de autoqueiro, mas sim de automobilista.". Atrapalhada lá me respondeu: "...tem razão, peço desculpa, peço desculpa...".

Já cá fora, enquanto colocava o capacete, fechava o casaco e colocava as luvas sou surpreendido com outra conversa deja vu, entre dois homens que não aparentavam ter mais de 50 anos:
-"...também fiz aqui a 4.ª classe!
- ...e garanto-te que a 4.ª classe aqui, da altura, vale muito mais que o 9.º ou 12.º ano de hoje!"
O outro lá concordou e eu arranquei e fui a pensar. Hoje, um miúdo da 4.ª classe, além de ler e escrever, sabe alguma coisa de uma 2.ª língua (normalmente inglês) e tem noções muito interessantes de informática (capazes de envergonhar muitos dos mais velhos em ambos os casos). Tem também noção de muitos outros assuntos, que a mim não me passavam pela cabeça quando tinha 10 anos (entenda-se que fiz a 4.ª classe há bem menos tempo que aqueles senhores...). De facto, chocam-me estas visões tacanhas de quem não conhece mas assertivamente afirma. Além de confundir conhecimento e cultura com a capacidade de decorar factos (por exemplo, os rios e as linhas de comboio do país e das ex-colónias, como se estas fossem capazes de tornar alguém apto para exercer alguma profissão com valor acrescentado); falamos de coisas que desconhecemos em absoluto com se fossemos donos da razão... mas achamo-nos um país com um baixo nível de educação e conhecimento. Tenho dado por mim a cair neste erro sobre coisas, que achava eu, conhecia ou podia aferir. Tenho dado por mim e perceber que pessoas de quem gosto e respeito, caiem neste erro sobre matérias que não dominam assim tanto. Acima de tudo, percebi que mesmo quando as coisas são claras como a água e a razão inquestionável, pode haver uma outra faceta... afinal a água espelha a nossa própria imagem. Dei por mim a cair nesse erro perante outros e também senti na pele o oposto... Parece-me que à razão, uma componente de tolerãncia, espírito de dúvida constante com uma ponta de humildade somados, nos tornam pessoas bem melhores. Mas reconheço que não é fácil...

Voltando ás eleições... são estas as razões que me levam a pensar se, de facto, a democracia é um sistema justo; se para votar não deveríamos ter de prestar provas da nossa capacidade... Fenómenos como os de Valentim Loureiro ou Isaltino Morais (ou muitos dos cromos que aparecem em cartazes nesta altura e que tão bem têm sido retratados pelo Gato Fedorento) levam-me a pensar que a democracia, de dia para dia, cava a sua própria sepultura.

Sérgio

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