07 agosto 2009

Não diria melhor...


Os dez mandamentos segundo Leonard Cohen, segundo João Miguel Tavares, devoto do Evangelho de São Leonard, que nos explica porque falhar um concerto do Grande Senhor é pecado mortal.

1º mandamento: Leonard Cohen é o maior e nunca haverá outro como ele. Leonard Cohen tem umas cordas vocais mais curtas do que as saias de Ana Malhoa, mas o que ele faz com aquele par de oitavas é um monumento à arte de bem cantar. Como os embrulhos esquecidos na mala do carro, as suas interpretações têm rasgos, vincos e dobras, mas ouvi-lo é tirar um mestrado de Existencialismo em duas horas e meia. O seu percurso sempre foi o de um solitário, sem progenitores nem herdeiros, e quase a completar 75 anos convém aproveitá-lo enquanto por cá anda e consumi-lo quando por cá passa. Até no Pavilhão Atlântico.

2º mandamento: Não invocar o santo nome de Cohen em vão. Alguma vez ouviu expressões do género “aquele tipo parece mesmo o Leonard Cohen” ou “aquilo soa a uma canção do Leonard Cohen”? Estando sóbrio, não. Porque ninguém soa a Cohen e nenhuma canção se parece com as de Cohen. Essa é uma fórmula bem guardada no cofre neuronal do canadiano, que a partir de 1967 começou a produzir um cocktail perfeito de canções elaboradas sobre Deus, as mulheres e o sexo, não necessariamente por esta ordem.

3º mandamento: Santificar os concertos e (quase) todos os seus discos. O conteúdo do concerto que poderá ver em Lisboa já está devidamente preservado em duplo álbum e em DVD. Chama-se Live in London e foi gravado em Julho de 2008 na O2 Arena. É um item obrigatório em qualquer casa que preze o bom gosto, tal como, aliás, a integral da sua discografia. Se não tiver dinheiro para tudo, invista em Songs of Leonard Cohen (1967), Songs of Love and Hate (1971) e I’m Your Man (1988). E roube o resto. (Menos, vá lá, Ten New Songs, lançado após o regresso de Cohen do mosteiro e com excesso de zen nas faixas.)

4º mandamento: Honrar o poema e a música. Que Leonard Cohen é um dos maiores poetas a pôr a caneta ao serviço da pop é um dogma que 90 por cento da população mundial está disposta a aceitar (os outros dez por cento não sabem ler). No entanto, há não só quem despreze a sua música (ah, a barbárie), como há quem defenda que o bom Cohen morreu após a edição do seu terceiro disco, Songs of Love and Hate. Estes apóstatas embirram particularmente com os coros femininos e os sintetizadores em I’m Your Man. Ora, deve ser sublinhado que I’m Your Man é um dos maiores discos do século XX e que os coros femininos nas canções de Cohen, com todos os seus la-la- -las e dum-dum-dums, devem ser elevados aos altares.

5º mandamento: Não matar Leonard Cohen. A lenda diz que tal esteve perto de acontecer em 1979. Durante as gravações de um dos mais atribulados álbuns da história da música – Death of a Ladies’ Man –, produzido pelo agora encarcerado Phil “Wall of Sound” Spector (assassinou a actriz Lana Clarkson em 2003), Cohen queixa-se de ter estado com um revólver colado à pele. Spector tinha o estúdio cheio de armas e vivia obcecado que lhe roubassem as gravações (diz-se que dormia com elas), passeando-se pela casa com um calibre 45 numa mão e uma garrafa de vinho na outra. Certo dia encostou o revólver ao pescoço de Cohen e disse-lhe: “I love you, Leonard.” Cohen respondeu-lhe: “Espero bem que sim, Phil.”

6º mandamento: Não cometer adultério com Leonard Cohen. Já cometer adultério ao som de Leonard Cohen é não só permitido como altamente aconselhável. As suas canções servem simultaneamente para seduzir, trair e arrependermo-nos de ter traído. O senhor Cohen é doutorado em qualquer uma dessas actividades e, de “Suzanne” a “So Long Marianne”, os seus discos estão cheios de canções sofridas e de mulheres abandonadas.

7º mandamento: Não roubar Leonard Cohen. Já basta o que lhe aconteceu em 2005, quando descobriu que o seu antigo agente, Kelley Lynch, tinha tomado conta das suas poupanças enquanto ele se dedicava a praticar budismo no monte Baldy. O desfalque do ex- -amigo ascendeu a cinco milhões de dólares, deixando a conta bancária de Cohen reduzida a 150 mil dólares. À ganância do senhor Lynch devemos, contudo, um bem inestimável: o regresso de Leonard Cohen aos palcos, dada a sua urgente necessidade de fazer dinheiro.

8º mandamento: Não levantar falsos testemunhos contra Leonard Cohen. Falsos testemunhos como: Leonard Cohen não gosta de estar em palco. É verdade que Cohen não gostava de estar em palco, e precisava da dose certa de vinho tinto para conseguir enfrentar a multidão. Mas na presente digressão terá atingido o nirvana dos concertos – hoje em dia ele diverte-se, diverte-nos, alongou a tournée e, como qualquer velhinho que se preze, está fascinado com os jovens que descobrem a sua música.

9º mandamento: Guardar castidade nos pensamentos e nos desejos. Humm... Ok, esqueçam este.

10º mandamento: Não cobiçar as canções alheias. Que é como quem diz: ó ímpios, tirem as mãos das canções do senhor Cohen. Leonard Cohen já foi alvo (“alvo” é a palavra correcta) de três tributos: I’m Your Fan (1991), Tower of Song (1995) e o documentário e depois disco I’m Your Man (2005). Nenhum desses objectos chega sequer a uma unha do pé do fraquito Ten New Songs. A regra, portanto, é deixar as canções de Leonard Cohen em paz, a não ser que haja alguma coisa de relevante a acrescentar. As excepções à regra são o “Hallelujah” de Jeff Buckley, o “Tower of Song” de Nick Cave e o “Chelsea Hotel Nº2” de Rufus Wainwright. Em dias luminosos podemos ainda acrescentar “Bird on a Wire” (por Johnny Cash), “Suzanne” (versão maluca de Nina Simone) e “If It Be Your Will” (por Antony). Não são os originais, lá isso não são, mas comungam do seu espírito.

Leonard Cohen actua quinta-feira no Pavilhão Atlântico, pelas 21.00. Convém ser pontual, porque as probabilidades de o senhor Cohen começar a cantar entre as 21.00 e as 21.01 são muito elevadas. Prepare-se para um concerto a rondar as três horas, com intervalo. Os bilhetes vão dos 30 aos 75 euros, gasto abençoado por Deus.

terça-feira, 28 de Julho de 2009

1 comentário:

Anónimo disse...

actuou!