21 fevereiro 2007

Maximillian Hecker.

Um dos artistas que mais me impressionou nos últimos anos, pela originalidade, pela sonoridade, pela novidade foi Maximillian Hecker. Este alemão que ainda é um miúdo (30 anos), tem um percurso musical invejável e já editou o seu 4.º álbum a solo.

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O próprio intitula a sua música como “melancholy pop hymns”, mas por detrás destas palavras há muito mais a extrair das músicas que o próprio compõe na integridade, tal como as letras, além de tocar todos os instrumentos na gravação dos seus discos. É o tipo de música que quanto mais ouvimos e mais atenção prestamos, mais nuances descobrimos. De Maximillian Hecker ou se gosta obsessivamente, ou se detesta. A música deste senhor tem o dom de por o nosso imaginário a funcionar… se não o fizer, provavelmente vamos detestar. Não é o tipo de som que se ouça… ou mergulhamos profundamente na sua sonoridade, ou não captamos nem 5% do que Maximillian Hecker criou.

O som deste original músico alemão vive de contrastes. Alterna a mais delicada melodia com dissonâncias; os momentos mais relaxantes com distorção de guitarras. Em consequência, provoca-nos momentos de grande envolvência em que os sons nos conseguem por a transpirar, logo seguidos de autênticos arrepios. O melhor exemplo está nos primeiros dois temas de “Rose”, o segundo álbum. Kate Moss e Hold Me Now, são muito mais do que temas musicais; são conjuntos de diferentes patamares musicais unidos por uma letra comum. O próprio tema que dá nome ao álbum é fantástico e contrasta com outros temas, por vezes acompanhados de ritmos electrónicos e ruídos entre o chocante e o inaudível.

O mesmo acontece no 1.º álbum, Infinite Love Songs, onde domina o tom melódico e até depressivo das baladas, cortado radicalmente com o ritmo e recorte deste tema que dá também nome ao álbum.

No 3.º álbum, Lady Sleeps, temas como Birch, Anaesthesia e Dying levam-nos ao mais profundo dos envolvimentos com o campo sonoro que imediatamente toma conta da nossa sala. Ao ouvir estes temas somos dominados por espasmos, arrepios e até melancolia. Nos restantes temas, Maximillian Hecker não consegue surpreender como nos trabalhos anteriores… acontece por vezes… quando a fasquia está demasiado alta.

Se calhar e exactamente por isso, o último álbum é diferente. E se alguns temas estão no perfil que tão bem habituados estamos por este músico (Snow White), outros como Your Stammering Kisses e Velvet Son, tem um estilo country bem marcado; e não será à toa que ao vivo Maximillian Hecker interpreta I Want You de Bob Dylan.

Tive o privilégio de ver este músico ao vivo em Braga, na 1.ª fila do igualmente fantástico Teatro Circo, no passado Sábado dia 17. Fique impressionado com a sonoridade ao vivo da banda que o acompanhava, num estilo bem mais rock e que muito me agradou. A voz de Maximillian Hecker é igualmente impressionante ao vivo.

Igualmente surpreendente e inovadora foi a atitude deste músico em palco… a variar entre o sonso, o pouco profissional, aquele que se esquece das músicas, que não sabe o que dizer, que é tão tímido que não consegue dizer uma frase completa… e que até arrota em palco! Tudo com o objectivo de chocar a audiência, mas com muita, muita piada! Fartei-me de rir! Eu e os meus amigos que me acompanham nesta paixão pelo mundo da música e que contribuíram para mais uma noite bem passada e memorável.

Sérgio

Portalegre - Quinta da Dourada.

Na passada semana estive em Portalegre em trabalho (para dar um curso). Uma gentil equipa pediu que a formação inicialmente marcada em Sintra fosse efectuada em Portalegre; preferiu esta equipa custear a sala durante 2 dias, do que deslocar 22 pessoas durante 2 dias, o que faz todo o sentido! Aliás, este espírito explica o porquê de uma agência de Portalegre estar no TOP TEN das agências de todo o país.

Para mim, encantado! Prefiro viajar a estar sempre no mesmo local, especialmente quando não é a minha cidade. E lá fui eu para Portalegre! Posso dizer-vos que ADOREI!

Desde logo fiquei espantado com a hospitalidade destas pessoas. Trataram-me como nunca fui tratado. Cheguei no dia anterior tarde, mas tinha alguém à minha espera para jantar e para me levar a uma fantástica quinta onde fiquei magnificamente instalado. Não só marcaram tudo e ofereceram-me a estadia, como não marcaram um simples e vulgar hotel, mas antes, uma fantástica quinta de turismo de habitação. Preocuparam-se sempre em almoçar e jantar comigo, como em “desencaminharem-me” para os copos! Ou seja, para que eu não me sentisse sozinho. No fim, ainda tinham uma recordação para mim… Fiquei sem jeito e sem saber como agradecer e retribuir tanta simpatia. Dei o melhor curso de sempre, tendo em conta as avaliações dos formandos (5,7 em 6).

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De facto, fiquei sensibilizado com tanta simpatia, com tanta delicadeza. Senti-me muito bem em Portalegre. Penso que ficaram agradecidos por eu me ter deslocado até lá… possivelmente estão habituados a serem sempre eles a deslocarem-se até à capital. Mas eu não sou da capital… Nasci e vivo 300 kms acima, e se o Porto e os seus habitantes também já sofrem de algum “pedantismo cosmopolita”, eu ainda me rejo pelo bom senso, e faz-me mais sentido deslocar uma pessoa que 22. Sempre me ensinaram que a humildade é a mais nobre de todas as qualidades pessoais; apelo assim que olhemos para as pessoas por aquilo que realmente são e não pela morada. Portanto, nesse aspecto, apenas fiz o que gostaria que fizessem comigo e não há nada a agradecer.

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(aproveito para vos apresentar a minha "banheira")

Adorei a Quinta da Dourada onde fiquei confortavelmente instalado e recomendo a qualquer pessoa um fim-de-semana por aquelas terras (http://www.quintadadourada.com/).


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Adorei também a cidade, que tem uma zona histórica lindíssima, com ruas estreitas e todas as casas pintadas de branco e amarelo como é típico do Alentejo.

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Por esta e por muitas outras razões “…eu hei-de lá voltar…” e será em breve!

Sérgio

10 fevereiro 2007

Referendo do Aborto - Take 2!

Muito se tem discutido sobre um tema tão simples. Tem havido muito “maquiaveliquidade" na discussão da pergunta e na organização das campanhas.

O movimento do “Não” bate todos os recordes em manipular a opinião das pessoas de forma totalmente desprezível, jogando com os nossos sentimentos e necessidades mais básicas:

- No anterior referendo, conseguiu com a ajuda dos poderes instalados no governo, marcar o referendo num fim-de-semana de 4 dias, em que tendencialmente as pessoas vão para fora e não votam.
- Como desta vez o poder não ajuda, foram buscar aquela ideia ridícula contida numa pergunta cretina, onde ferem a sensibilidade das pessoas, confrontando os cidadãos com a utilização de dinheiro dos próprios impostos, para pagamento dos abortos voluntários. Acho fantástico como um movimento tão pudico coloca a questão monetária à frente da questão humana… Esquecem-se porém, que quando uma criança nasce e é abandonada, a sua custódia recai sobre o Estado e o dinheiro para a sustentar vem da mesma fonte e é bem mais!
- Um dos argumentos mais fantásticos que ouvi dos médicos apoiantes deste movimento, foi o de que ao observarem por ecografia o processo de aborto, o feto tenta fugir da seringa que o irá sugar; portanto, há ali vida humana que está a ser assassinada. A minha pergunta a esses senhores é a de se algum deles, algum dia tentou matar uma formiga ou qualquer insecto… estranhamente estes também tentam fugir! E no entanto, tal como o feto até às 10 semanas, estão vivos e desprovidos de sistema nervoso central. Logo incapazes de sofrer ou pensar, mas reagindo apenas por instinto.

Ouvi os tempos de antena e de facto, o movimento do “não” assenta todos os seus argumento apenas numa palavra: NÃO! Não porque não; não à liberdade de cada um de escolher e optar o que é melhor para si mesmo. E a este nível tão íntimo, quem tem o direito de me dizer o que devo ou não devo fazer?

Ouvi o tempo de antena do “sim”, que perante a “mediavaleza” (hoje estou numa de inventar palavras!) do seu opositor podia brilhar. No entanto, não o fez. Pena… Muitas das opiniões pouco ou nada diziam de relevante, e também dispersavam em temas que para nada aqui são chamados. Felizmente, e pelo menos, não caíram no ridículo de imitar o estilo grotesco do adversário e perguntar: “Preferem o aborto livre ou criancinhas nos caixotes do lixo?”. Entristeceu-me que ninguém realçasse o factor mais importante, e pelo qual já não vivemos debaixo de uma tirania: liberdade! Cada um poder escolher o que é melhor para si; porque há questões com as quais NINGUÉM tem nada a ver.

Felizmente, alguém pelo movimento do “sim” fez uma grande diferença: Prof. Júlio Machado Vaz! Referiu e muito bem que esta é uma questão de saúde e não de justiça, portanto a penalização judicial não faz sentido. Há sim que investir no apoio psicológico a estas mulheres que se defrontam com um momento tão difícil.

Ninguém faz um aborto com a libertinagem de quem vai às compras. Não vão haver nem mais nem menos abortos, pelo facto deste ser legal (vejam-se os números dos outros países em que o aborto foi despenalizado); o que vão deixar é de haver mulheres que incorrem em problemas de saúde, esforços financeiros inadmissíveis e de responderem perante os tribunais porque tiveram de fazer uma opção custosa emocionalmente.

Acima de tudo, nenhum movimento tem o direito de brincar com sentimentos tão importantes, muito menos de jogar com as palavras e com realidades paralelas para conseguir influenciar outros, com menos capacidade de análise, em benefício seu e das suas ideias.

Por essa razão, passo a citar este texto enviado pelo meu amigo da blogosfera Solariso, que apela à sinceridade e à objectividade do tema sobre o qual vamos votar amanhã.

Sérgio



“Uma pergunta directa para uma resposta honesta.

A pergunta a que vamos responder no referendo do próximo dia 11 é compreensível para qualquer pessoa que saiba ler e isso é algo que nenhum contorcionismo político ou gramatical poderá mudar. "Concorda com a despenalização..." A despenalização é, evidentemente, a palavra-chave desta pergunta. É talvez surpreendente, mas o referendo do próximo dia 11 não é acerca de quem gosta mais de bebés, tal como não é acerca de quem mais respeita o sofrimento das mulheres. A pergunta do referendo também não é "dê, por obséquio, o seu palpite acerca de quando é que a alma entra no corpo dos seres humanos", matéria que sempre intrigou os teólogos. Não é acerca de quem gosta de fazer abortos e quem gosta de dar crianças para orfanatos. Por isso e acima de tudo, devo confessar que sofro de cada vez que ouço na televisão jornalistas falarem dos dois campos em debate como o "sim ao aborto" e o "não ao aborto".

Numa pergunta que começa com aquele "concorda com a despenalização", os dois votos possíveis não se dividem em pró-aborto e anti-aborto, e muito menos pró-escolha e pró-vida. Os que respondem "sim" à pergunta são "pró-despenalização". Os que respondem "não" são
"pró-penalização" (ou "anti-despenalização", o que é forçosamente ser a favor da penalização). Tudo o mais é responder com alhos a uma pergunta sobre bugalhos, e qualquer chefe de redacção deveria saber isso. "...da interrupção voluntária da gravidez...". Até agora sabemos que a pergunta é sobre despenalizar, mas ainda não falámos de quê. Há quem tenha problemas com a expressão "interrupção voluntária da gravidez" por considerá-la um eufemismo, mas acontece que é a fórmula correcta para designar um aborto não-natural, não-espontâneo.

Mesmo assim, isto não atrapalha o debate: toda a gente parte do princípio de que IVG é aquilo que, em linguagem corrente, genérica e imprecisa, chamamos "aborto". Os problemas surgem quando nos aproximamos da segunda parte da pergunta. "... se realizada, por opçãoda mulher". No mundo real, o que quer dizer esta parte da pergunta? Quer dizer que a concordância com a despenalização da IVG deve ser dada (apenas e só) no pressuposto de que ela seria realizada por opção da mulher. Basicamente, significa que se uma mulher for forçada a abortar por uma terceira pessoa, esse aborto é crime e essa tal terceira pessoa será punida. Quer dizer que, se fulano apanhar uma mulher grávida, a anestesiar e lhe interromper a gravidez, não poderá eximir-se respondendo que "o aborto foi despenalizado", precisamente porque graças à segunda parte da pergunta o aborto só é despenalizado se for por opção da mulher. No mundo do "não", porém, esta parte da pergunta é a que causa mais engulhos. Percebe-se porquê. "Por opção da mulher"? A mulher, grávida de poucas semanas, a tomar uma decisão? Sozinha? Deve haver aqui qualquer coisa de errado.

Quando se lhes retorque que não poderia ser por opção de outra pessoa, e se lhes pergunta quem queriam então que fosse, a informação não é computada. Algures, de alguma forma, teria de haver alguém mais habilitado para tomar a decisão. O pai? O médico? O Estado? Então e se qualquer deles achasse que a mulher deveria abortar, contra a vontade desta? Pois é. É precisamente por isso que aquele inquietante "por opção da mulher" ali está. "...nas primeiras dez semanas...". Aborto livre, grita o "não"! Aqui está a prova, o aborto é livre até às dez semanas! Ora, meus caros amigos, o limite de dez semanas significa precisamente que o aborto não é livre... Ou o facto de só se poder andar até 50 quilómetros por hora dentro de uma localidade significa "velocidade livre"? Não faz muito sentido, não é verdade?

Enquanto digerem esta pergunta, os adeptos do "não" mudam de estratégia. Então o que acontece às 11 semanas? E o que acontece, meus amigos, quando se anda em excesso de velocidade? É-se penalizado, e a penalização vai-se agravando quanto maior for o excesso de velocidade. Isso quer dizer que, nos pressupostos da pergunta, o aborto não é livre. Não era esse o problema? "... em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?" Esta parte final é tão clara que vou poupar palavras. Um "estabelecimento de saúde" quer dizer que não é um estabelecimento desportivo, e "legalmente autorizado" quer dizer que não é ilegal, ou que não é legalmente desautorizado, se tal coisa existisse.

Mas vale a pena notar o que "legalmente autorizado" não quer dizer. Não quer obrigatoriamente dizer do Estado, mas também não quer dizer privado, particular, ou o que seja. Quer dizer apenas que é num estabelecimento de saúde conforme com os procedimentos legais e que foi expressamente autorizado para a operação em causa. Não há melhor barómetro da má-fé neste debate do que dizer que estamos em face de duas perguntas diferentes, ou até duas perguntas de sinal contrário (uma legítima, a outra capciosa), tentando fazer passar a ideia de que a "segunda pergunta" de alguma forma perverte a primeira, rompendo com ela. Não há aqui primeira nem segunda pergunta: há apenas uma pergunta, que se refere a determinadas condições, condições essas que qualificam e restringem o âmbito da questão. Dizer o contrário disto não é só má-fé, é principalmente má-lógica: se a segunda metade da pergunta está contida na primeira, ela não pode ser mais aberta do que a anterior. Como é natural e faz sentido, cada passo da pergunta a fecha um pouco.

Dizer que é "despenalização da IVG" significa que não é despenalização de qualquer outra coisa, dizer que é "por opção da mulher" significa que não é por opção de qualquer outra pessoa, dizer que é até "às dez semanas" significa que não é sem qualquer limite, dizer que é "em estabelecimento de saúde" significa que não é no meio da rua, e dizer que a pergunta se refere a um estabelecimento de saúde "legalmente autorizado" significa que não pode ser no dentista, ou na farmácia, ou no ginásio. Tudo o resto é apenas uma desculpa para não se assumir as responsabilidades do voto. Pessoalmente, não vejo nesta pergunta nada que não me agrade, e vejo muita coisa que me agrada.

É uma pergunta de compromisso, cautelosa, que prevê os limites mais importantes, deixando a definição das políticas (de saúde, de planeamento familiar, judicial, etc.) para os actores e momentos certos. Pode responder-se sim ou não, e eu responderei "sim". Sou pela despenalização, naquelas condições, como outros são pela penalização mesmo naquelas condições. O que não se pode é invalidar a pergunta, degradando a sua lógica. Trata-se de uma pergunta directa. Como tal, pede apenas uma resposta honesta.


Rui Tavares

«Público» de 3 de Fevereiro de 2007”